Anti-heróis
por Natasha Santos, Mestre em História (UFPR)
Episódio 1: "Juiz x Juiz" - http://www.youtube.com/watch?v=TQbuAK7fJtM
A figura do juiz, tão pouco abordada, ganha agora o
foco de uma série que se ocupa de humanizá-la em 13 episódios. A série “(fdp)”,
classificada como gênero drama e produzida pela Pródigo Filmes, conta a
história do personagem Juarez Gomes da Silva, árbitro de futebol que, além de
todas as polêmicas profissionais, precisa recuperar a ordem em sua vida pessoal
– a qual, não raro, depende de sua performance em campo.
Inevitável não retomar a paradoxal defesa do juiz, feita por Nelson Rodrigues, que é, ao mesmo tempo, uma condenação...
“Outrora havia o ‘juiz ladrão’. E hoje? Hoje, os juízes são de uma
chata, monótona e alvar honestidade. Abrahão Lincoln não seria mais íntegro do
que Mário Vianna. E vamos e venhamos: — a virtude pode ser muito bonita, mas
exala um tédio homicida e, além disso, causa as úlceras imortais. Não acredito
em honestidade sem acidez, sem dieta e sem úlcera.
Mas ponha-se um árbitro insubornável diante de um vigarista. E
verificaremos isto: — falta ao virtuoso a feérica, a irisada, a multicolorida
variedade do vigarista. O profissionalismo torna inexequível o juiz ladrão. E é
pena. Porque seu desaparecimento é um desfalque lírico, um desfalque dramático
para os jogos modernos” (Manchete Esportiva, 31/12/1955 – “O Juiz Ladrão”).
Se para Nelson Rodrigues apenas o juiz ladrão se faz
poeticamente importante, o primeiro episódio (“Juiz x Juiz”) da série explicita
exatamente a chata honestidade a que se refere o cronista. Elemento este que dá
a deixa para que se pense na figura do juiz, ladrão ou honesto, enquanto grande
alimentador dos debates midiáticos, ou mesmo os informais, que se prolongam após
as partidas de futebol.
Tal como aponta Bruno Boschilia, no texto “Os
árbitros e a violência no futebol”, há uma relação de incompleta objetividade
entre a interpretação do lance e a aplicação das regras, por conta da
flexibilidade destas. Cabe ao árbitro garantir o bom andamento da partida, a
partir, sobretudo, do bom senso, sabendo da necessidade de se terminar o jogo, bem como de não utilizar erroneamente os cartões amarelo e vermelho. Assim, a “Regra 18”, reconhecida pelos árbitros como a “a regra do bom senso”, é
o grande fio condutor dos jogos de futebol, conferindo humanidade (um elemento subjetivo) à partida, haja vista que a noção de bom senso varia entre uma pessoa e outra - no caso, entre um juiz e outro. Portanto, ao contrário do que pensava Nelson Rodrigues, mesmo não sendo o árbitro um ladrão, ele faz escolhas que, embora pautadas em regras objetivas, são também marcadas por interpretações particulares, envoltas, ainda, em um turbilhão de emoções próprias das quatro linhas. E é a emoção da disputa, dos acontecimentos não-planejados, que garante a literariedade do futebol, representada também pelo juiz, sendo ele ladrão ou não.
Daí toda a subjetividade dos lances composta não
apenas pelo homem que chuta a bola, como também pelo homem do apito, o qual, ora
pelo descontrole emocional da torcida, ora pela necessidade midiática de um vilão, recebe
os mais sórdidos adjetivos, provenientes de uma crueldade - por vezes não sem razão - “quase bovina”.