Südtribüne, do atual bicampeão Borussia, tem capacidade para quase 25 mil torcedores e lotação sempre esgotada. Time perdeu clássico no sábado
Dortmund é uma cidade com mais de mil anos que guarda
pouquíssimos traços do passado. Localizada na principal área industrial da
Alemanha, foi praticamente destruída durante a II Guerra Mundial e não faz
parte dos roteiros tradicionais dos viajantes pelo país. A maior atração local
é um estádio de futebol. Mais precisamente, uma parte específica: a geral.
Praticamente banido no Brasil, o setor com os ingressos mais baratos e onde a
torcida vê o jogo de pé é cultuado na Alemanha. Em Dortmund, fica a maior geral
da Europa, e talvez do mundo, a Südtribüne.
Na boca dos torcedores do
Borussia Dortmund, atual bicampeão alemão, o Signal Iduna Park - nome de um
patrocinador que pagou para rebatizar a arena até 2021 - continua sendo o
Westfalenstadion. Construído para a Copa do Mundo de 1974 e reformado para o Mundial
de 2006, o estádio é o maior da Alemanha e tem capacidade para 80.720
espectadores. Em jogos internacionais, em que não são permitidos torcedores de
pé, a capacidade cai para 65.718. De um jeito ou de outro, o estádio está
sempre cheio. O Borussia tem a segunda melhor média de público do futebol
europeu, com 80.521 torcedores por partida na última temporada. Nem o Barcelona
de Lionel Messi atraiu mais gente no período (78.340).
'Muralha
amarela'
Assim como no caso do clube
catalão, os jogos do Borussia também contam com fãs de futebol de outros
países. Mas por motivos diferentes. Não que o time amarelo e negro jogue um
futebol ruim de se ver, pois conta com duas das maiores revelações do futebol
germânico, Mario Götze e Marco Reus. Mas a atração em Dortmund está na torcida
e no setor sul do estádio. Desde a ampliação feita em 1999, a Südtribüne
(“Tribuna Sul”) tem capacidade para 24.454 mil torcedores. Apenas naquela parte
da arena cabem mais torcedores do que nos estádios de São Januário, dos Aflitos
e Independência. A geral é uma tribuna de degraus curtos e tão inclinada que,
vista do lado oposto, parece um muro; a “muralha amarela” (“die gelbe Wand”, em
alemão), como é chamada, e que impressiona até os adversários. Algo muito diferente
do que o brasileiro se acostumou com o Maracanã e o Mineirão, por exemplo, onde
o público ficava ao redor e com a visão praticamente no mesmo nível do gramado.
– O estádio em Dortmund não é o mais bonito, mas é o mais
legal de se jogar. Em campo, você vai atacar e dá de cara com aquele paredão,
onde tem mais gente do que em muitos outros estádios inteiros. É impressionante
mesmo – disse o atacante brasileiro naturalizado alemão Cacau, do Stuttgart.
A geral quase sumiu do futebol
alemão nos anos 1990, quando, sob o impacto da tragédia de Hillsborough, em
1989, em que 96 pessoas morreram num jogo entre Liverpool e Nottingham Forest
pela Copa da Inglaterra, teve início um grande debate sobre segurança nos
estádios. O exemplo da Premier League virou referência: arenas mais
confortáveis e ambientes menos hostis para atrair um público de perfil
diferente. Isso tornou os ingressos mais caros, mas, naquele momento, a medida
foi encarada como um preço a se pagar pelo conforto adicional e como uma forma
de banir de vez os hooligans.
Os torcedores alemães, porém, se organizaram e
contestaram a relação entre a falta de segurança e o fim da geral. Não que não
houvesse necessidade de reformar os estádios e muito menos que não ocorressem
brigas entre torcidas rivais - ainda que o país não tivesse sofrido do mal de
forma tão profunda quanto a Inglaterra -, mas essas não eram exclusividade do
setor mais popular. A questão virou política e os torcedores venceram. Hoje,
seria impensável para o Borussia Dortmund botar assentos na Südtribune. Na
página oficial do clube, a geral é anunciada como o ponto alto da visita guiada
pelo estádio e se pode comprar até um papel de parede com a geral ao fundo por
R$ 470.
Para
assistir a um jogo na Südtribune é preciso ter um carnê da temporada, que custa
R$ 495 e dá direito a pelo menos 17 jogos
– A Südtribüne representa o
coração e a alma do Borussia Dortmund praticamente desde que o estádio foi
inaugurado, em 1974. Mesmo os torcedores que preferem sentar em outro setores
sentem orgulho da Südtribüne. A parte inferior da tribuna não mudou nada desde
a abertura, continua do mesmo jeito que sempre foi – afirmou o jornalista e
escritor Uli Hesse, que no momento está trabalhando num livro sobre a torcida
do Borussia.
Experiência vale
quase R$ 500
Para assistir a um jogo na
Südtribune é preciso ter um carnê da temporada, que custa € 187 (R$ 495) e dá
direito a pelo menos 17 partidas (menos de R$ 30 por jogo), as rodadas dentro
de casa no Campeonato Alemão. Mas isso inclui ainda amistosos de pré-temporada,
jogos festivos e eventuais partidas da Copa da Alemanha. Para se ter direito
também a assistir às três partidas da primeira fase das Liga dos Campeões, o
preço do carnê passa para € 225 (R$ 596) já que a capacidade do setor diminuiu,
pois assentos são instalados para que os fãs fiquem sentados. É o que vai
acontecer no jogo desta quarta-feira contra o Real Madrid, pela terceira
rodada. Quando a bola rolar, porém, estarão todos de pé na Südtribune, como
sempre.
Existem mais de dez mil pessoas na fila de espera por um
carnê da temporada na Südtribune. Para quem não tem um, a única opção é usar a
entrada de um torcedor que por algum motivo não possa ir à partida. Foi o que
aconteceu com o GLOBOESPORTE.COM. O próprio Uli Hesse, agora vivendo na cidade
de Oldenburg, 250 km
ao norte de Dortmund, não teve como ir e cedeu a entrada, que fica guardada com
o filho Yannick, fanático torcedor do Borussia - a ponto de se mudar para o
bairro vizinho ao estádio onde chega em menos de meia hora de caminhada. Uli
tem um carnê da Südtribüne desde 1982.
O dia da visita não foi um jogo qualquer do campeonato, e
sim o Revierderby, o clássico contra o maior rival Schalke 04. Público pagante,
80.645. Südtribune pulsando com quase 25 mil torcedores. No ingresso, nada de
setor numerado. Outra diferença em relação a estádios brasileiros e de boa
parte da Europa é que ali, cerveja e cigarros são permitidos. Os incomodados
que se mudem, se conseguirem se mexer no meio de um formigueiro de cor amarela.
A maioria da torcida adversária está localizada no setor norte, do lado oposto.
Na parte superior, a camada, digamos, mais civilizada está sentada sem qualquer
divisão para os fãs do Borussia. Na parte inferior, a torcida organizada azul e
branca do Schalke, devidamente cercada por seguranças, está de pé na geral
específica para os visitantes.
Os gritos de “Schalke, Schalke
04!” são devidamente abafados pelos de “Scheisse, scheisse 04!”, palavrão
(“merda”) com som bem parecido em alemão. Numa parte da Südtribune mais próxima ao
campo, um torcedor levanta um cartaz com os dizeres “vencer o clássico é como
ser campeão”. Quando o time da casa entra em campo, a geral vai ao delírio e
começa a cantar “You'll Never Walk Alone”, música que virou símbolo do
Liverpool e a torcida do Borussia pegou emprestada. Em seguida substituída por
uma canção com a melodia de um filme infantil sueco e a pergunta “Quem é o
campeão alemão? BVB Bo-rus-si-a!”.
Quando a bola
rola... dá Schalke
Mas quando a bola rola a empolgação se mistura com
nervosismo por causa de um rival que nitidamente está melhor em campo. O Borussia
sente a falta de quatro importantes jogadores lesionados, os meias Jakub
Blaszczykowski, da seleção polonesa, Ilkay Gündogan e Mario Götze, além do
lateral-esquerdo Marcel Schmelzer, todos da seleção alemã. O treinador Jürgen
Klopp, querido pelos fãs por ter levado o clube ao bicampeonato, arrisca uma
formação com três zagueiros que leva apenas 14 minutos para fazer água. O
atacante holandês Ibrahim Afellay, emprestado pelo Barcelona, abre o placar com
um belo chute de primeira após rebatida da defesa. O silêncio na Südtribüne não
chega a levar dez segundos. Logo a torcida começa a empurrar o time e abafar os
gritos vindos da geral adversária. Yannick imediatamente acende mais um
cigarro. Antes do jogo, ele dizia estar com um “mau pressentimento” por causa
dos muitos desfalques.
No intervalo, enquanto os outros
setores esvaziam, a Südtribüne, não. A geral também tem sua divisão interna. Na
entrada número 13 ficam os “ultras” do Borussia, setor menos recomendado a um
visitante que deve evitar tirar fotos. Nas entradas 14, onde Uli e Yannick
costumam assistir aos jogos, e 12 pode-se ter o clima perfeito da Südtribüne
com boa visão do campo. Na parte superior ficam muitas famílias e também
crianças, que devem ter acima de 12 anos para entrar no estádio. Um dos poucos
a sair do lugar entre a primeira e a segunda etapa é um torcedor aparentando
mais de 60 anos, vestido com a camisa amarelo fluorescente do Borussia no fim
dos anos 1990.
– Aquele torcedor sempre vai
embora no intervalo, com o time ganhando ou perdendo. Fica sempre no mesmo lugar
e sai após o primeiro tempo. Ninguém sabe o porquê – explicou Yannick.
Naquele sábado, não foi má ideia. Com três minutos da
etapa final, o zagueiro Mats Hummels, também da seleção alemã, dá um bote
errado no meio de campo e o contra-ataque do Schalke é certeiro. Marco Hölger
entra livre e toca na saída do goleiro Romand Weindenfeller para fazer 2 a 0. Logo em seguida, Jurgen
Klopp mexe no time e volta ao esquema com quatro zagueiros. Uma das
substituições é a entrada do brasileiro-alemão Leonardo Bittencourt, de 18
anos, filho do ex-jogador Franklin, que atuou no Fluminense no início dos anos
1990. Em sua estreia na equipe principal, Bittencourt pouco pôde fazer para
ajudar a equipe, mas o Borussia ainda assim conseguiu descontar.
Enfim, um gol
para comemorar
Aos 11 minutos, Marco Reus cobra falta e o atacante
polonês Robert Lewandowski toca de cabeça para a rede. Alívio para o repórter
visitante que, se foi um pouco pé-frio (fazia apenas dois jogos que o Schalke
vencera pela última vez no Westfalenstadion), ao menos pôde comemorar um gol na
Südtribüne. A geral alemã balança. Não existe espaço para pular muito, mas não
há sensação de insegurança em momento algum. Ao contrário do que se passa na
defesa do Borussia, que com o time em busca do empate se expõe completamente. O
Schalke esteve muito mais perto do terceiro gol do que o Borussia do segundo.
Os visitantes somente não marcaram porque o zagueiro camaronês Joel Matip
conseguiu tocar por cima de um gol vazio após cruzamento pelo lado esquerdo.
Se houve algum mau exemplo foram
os objetos atirados no goleiro adversário Lars Unnerstall no fim da partida. No
Brasil, poderiam ter custado o mando de campo ao time da casa. Em Dortmund, não
mereceram muita atenção do trio de arbitragem. Também houve confronto entre as
torcidas e a polícia nos arredores do estádio e no centro de Dortmund. Mas nada
do lado de dentro. Ao fim da partida, nenhuma vaia na Südtribüne. Somente os
gritos trocando o nome do rival por um palavrão e palmas para o time quando o
treinador Jurgen Klopp chegou próximo à grade para acenar e aplaudir,
agradecendo. Daqui a duas rodadas, diante do Stuttgart, estarão todos ali
novamente de pé na Südtribüne.
– Existem uns poucos torcedores
que passaram a vir aos jogos depois que o time voltou a ganhar e ser campeão.
Mas a maioria está aqui vencendo ou perdendo. Eu não perco nenhum jogo. Nunca –
disse Yannick, na saída do estádio.
Fonte: http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-alemao/noticia/2012/10/em-dortmund-geral-segue-viva-e-vira-ponto-turistico-como-maior-da-europa.html
Sugestão e comentários de Everton Cavalcanti.
Há uma grande discussão no senso comum e na mídia esportiva brasileira à respeito da modernização do futebol e de sua consequente adequação a indústria cultural de entretenimento. A aproximação da Copa do Mundo no país e o desenvolvimento econômico voltado ao futebol tem destacado uma elitização esportiva que visa preencher os estádios brasileiros com o torcedor apreciador do esporte. No entanto, gostaria de expressar um pensamento um tanto que controverso nessa lógica, tomando como exemplo um clube que tenho por admirador a alguns anos. O Borussia Dortmund possuí a maior média de público do mundo no ano de 2012 e o detalhe deste fato localiza-se no que os aficionados do clube alemão denominam de Muralha Amarela. Este local assemelha-se as antigas gerais dos estádios brasileiros e comporta cerca de 25 mil torcedores. Dentre os setores do estádio, é o mais requisitado, sendo que a uma fila gigantesca à espera de um carnê para a próxima temporada. Tal situação, me instigou a questionar o tal conforto que a anos revindicamos nos estádios nacionais, já que o Borussia provou ser capaz de manter um setor popular com o mínimo de condições para que seus torcedores sejam bem recebidos em seu estádio. Essa demonstração de profissionalismo e eficiência também comprova que é possível manter as tradições do futebol com a qualidade necessária para manutenção da lógica do espetáculo esportivo.