O
técnico que eu quero[1]
Guilherme Costa
Antes de pensar em qual técnico é mais
vitorioso ou pode se dar melhor com o elenco, a pergunta é: que tipo de jogo
esses times querem apresentar em 2014?
José
Carlos Brunoro, que voltou neste ano à direção do Palmeiras, costuma contar uma
história que ele vivenciou na primeira passagem pelo clube.
O
executivo era o homem forte da Parmalat, co-gestora do futebol alviverde, e a
cúpula da equipe divergia sobre o nome do novo treinador. Ele sugeriu, então, a
realização de entrevistas com os dois principais candidatos.
O
primeiro postulante ao cargo chegou à reunião no Palmeiras vestindo um agasalho
do clube em que ele trabalhava. Falou pouco sobre planejamento e demonstrou
interesse especial sobre a data da apresentação no ano seguinte. O técnico
estava preocupado com uma reforma que pretendia iniciar no telhado de casa.
Depois
foi a vez de Vanderlei Luxemburgo. Egresso do Bragantino, o treinador ainda era
um desconhecido quando foi entrevistado pelo Palmeiras. Chegou ao clube de
terno, foi pontual e baseou a conversa em uma meta clara: ele queria ser
contratado porque queria amealhar títulos e chegar ao comando da seleção
brasileira.
O
Palmeiras, é claro, escolheu Luxemburgo. Assim começou a montagem do time que
fez enorme sucesso no início da Era Parmalat – o time alviverde ganhou dois
Estaduais e dois Campeonatos Brasileiros entre 1993 e 1994.
A
história de Brunoro costuma ser usada pelo executivo para explicar a
importância de decisões racionais. No caso da escolha do técnico, o Palmeiras
buscou mais elementos para saber qual dos dois era o melhor candidato.
Assim
como fazem muitas empresas, o clube optou pelo profissional que se apresentou
melhor, teve um discurso mais alinhado com a proposta da instituição e mostrou
mais ambição.
Até
o último fim de semana, eu costumava concordar com Brunoro. No caso de um
técnico, porém, a contratação não pode ter o roteiro de uma entrevista de
emprego comum. O treinador é o líder de um grupo e de um projeto do clube. Mais
do que visual, metas e ambições, é fundamental que a instituição entenda se a
proposta dele é alinhada com o futebol que a equipe quer.
E
aqui não se trata de supervalorizar a importância dos técnicos. Treinadores têm
um papel fundamental, sim, mas as decisões em campo são tomadas pelos atletas.
O
problema é: os atletas tomam decisões com base no cenário que eles encontram e
no repertório que carregam. As duas coisas (cenário e repertório) são
consequências de uma proposta de jogo. É aí que entra o treinador.
Mais
do que conhecer o profissional, o currículo e as metas dele, o que um clube
deve se perguntar ao escolher um treinador é o tipo de proposta jogo que essa
contratação vai oferecer à equipe.
Foi
esse o meu principal pensamento após assistir ao clássico entre Barcelona e
Real Madrid, disputado no último sábado, válido pelo Campeonato Espanhol.
Jogando no Camp Nou, o time catalão venceu por 2 a 1 – Neymar fez o primeiro
gol e deu um passe para Alexis Sánchez marcar o segundo.
A
vitória ratificou o bom momento do Barcelona, que ainda não foi derrotado na
temporada 2013/2014. A pergunta é: ainda que vença tudo, é esse Barcelona que
os torcedores querem ver?
O
time desta temporada é comandado por Gerardo “Tata” Martino, argentino que foi
escolhido para substituir Tito Vilanova – o ex-treinador precisou se afastar
para cuidar da saúde. Em poucos meses, o novo comandante mudou de forma radical
a proposta de jogo do Barcelona.
O
estilo do Barcelona ainda é baseado em controle da bola e marcação pressão, é
verdade, mas há diferenças sensíveis entre os times de Vilanova (e do
antecessor dele, Pep Guardiola) e a equipe de Martino. O novo formato é mais
incisivo, usa mais passes longos e trabalha com linhas de marcação menos
compactadas.
Com
Guardiola e com Vilanova, o Barcelona dava a impressão de concentrar todos os
jogadores em pequenos espaços do campo. O time trabalhava com associações,
curtos deslocamentos e movimentação constante. Era um estilo claro e que se
tornou uma marca.
Ainda
que tenha preservado quase toda a formação titular, Martino criou um time que
não pensa assim. O Barcelona que venceu o Real Madrid é muito mais competitivo
do que o time de temporadas anteriores, mas encanta bem menos.
Hoje,
para falar apenas da Espanha, o Celta tem uma proposta de jogo que lembra mais
o Barcelona de anos atrás do que o próprio Barcelona atual. É impossível
comparar a qualidade ou a eficiência, mas a equipe de Vigo tem conceitos
similares aos dos catalães: obsessão por passes curtos, movimentação constante
e defesa alta, por exemplo. O comandante é Luis Enrique, ex-jogador do próprio
Barcelona.
O
Barcelona de Martino pode vencer tudo que disputar na atual temporada, mas
nunca vai ter o perfil que o time se acostumou a apresentar em anos anteriores.
Será que a diretoria considerou tudo isso quando escolheu o novo treinador?
É
claro, o estilo do Barcelona não foi moldado apenas por Guardiola e Vilanova. É
o resultado de um projeto extenso, que envolve categorias de base e o perfil
dos atletas do time profissional. Mas nada disso seria possível sem um
catalizador adequado.
O
exemplo do Barcelona faz pensar no futebol brasileiro. O que leva um time do
país a contratar um treinador? Quais são os atributos que uma diretoria
considera na hora de escolher um profissional?
Em
2013, o Grêmio contratou Renato Gaúcho pela identificação que ele tinha com a
torcida por ter feito sucesso como atleta. O Internacional fez aposta
semelhante com Dunga, e o São Paulo, com Paulo Autuori e Muricy Ramalho,
escolheu técnicos que já haviam sido vencedores no clube.
Sem
querer ser simplista ou reduzir as contratações a apenas um fator, é nítido que
os históricos pesaram nessas apostas. E esses são apenas exemplos de algo comum
no Brasil: nenhum dos técnicos foi escolhido pelo que defende como proposta de
jogo.
O
São Paulo é o mais claro exemplo disso. Quando Muricy Ramalho encerrou a
passagem anterior pelo clube, a diretoria decidiu buscar alguém que tivesse
mais abertura para a transição de garotos entre a base e o profissional. A
ideia era reduzir a distância entre as duas realidades e criar um projeto
integrado.
Muricy
saiu do São Paulo, e o time não conseguiu ter estabilidade com nenhum outro
treinador. Em 2013, a equipe fazia campanha ruim no Campeonato Brasileiro com
Ney Franco, que havia sido contratado justamente pelo talento demonstrado na
seleção brasileira sub-20. A diretoria escolheu Paulo Autuori. Depois de um
período ruim com ele, resgatou o técnico tricampeão nacional. Difícil imaginar
dois profissionais com leituras tão diferentes sobre o comportamento de um
time.
A
simples troca de um treinador carrega uma série de aspectos, mas uma pergunta é
fundamental quando uma equipe decide fazer isso: qual profissional tem uma
proposta de jogo que se ajusta mais ao que eu pretendo realizar?
O
futebol brasileiro talvez não tenha profissionais com postura tão marcante
quanto Guardiola, mas escolher um treinador também é definir uma forma de o
time se comportar. E isso, é claro, tem relação direta com comunicação.
Todo
técnico é contratado para vencer, é claro, mas há vários caminhos para isso.
Antes de escolher um profissional, é fundamental que a diretoria pense em qual
imagem ela quer passar aos torcedores. Que tipo de time será mais agradável e
condizente com o que os adeptos esperam?
No
fim de 2013, o futebol brasileiro pode ter uma mudança de grandes proporções no
comando de equipes da primeira divisão. Corinthians, Flamengo, Internacional,
Santos e até o promovido Palmeiras são exemplos de times que ainda não
definiram o comando para a próxima temporada.
Antes
de pensar em qual técnico é mais vitorioso ou pode se dar melhor com o elenco,
a pergunta é: que tipo de jogo esses times querem apresentar em 2014? A escolha
do comandante do grupo vai influenciar diretamente nisso. O Barcelona está aí
para mostrar o quanto.
O
papel da comunicação é pensar na construção de uma marca e na relação dela com
os consumidores. No caso de um time de futebol, essa relação é alicerçada no
orgulho e na ligação emocional. Para isso, é fundamental que a equipe reproduza
o que as pessoas esperam ver em campo. Escolher um treinador que não entregue
isso é criar enormes empecilhos para o trabalho.
[1] Artigo originalmente publicado no site Universidade
do Futebol, em 29/10/2013 (http://universidadedofutebol.com.br/Coluna/12321/O-tecnico-que-eu-quero )