Em
uma das aulas que frequentei na UBA com o prof. Pablo Alabarces, o debate
gravitou em torno do universo futebolístico, mais estritamente ao redor do
universo do aguante, do torcedor aficionado,
imerso em sua paixão a ponto de assumir sua identificação desportiva não só como
aspecto central e organizador de sua vivência cotidiana, mas como uma postura cultural
e política alternativa aos padrões sociais hegemônicos.
Reconhecer
a existência do aguante enquanto espécie
de caráter resistente a uma ordem imposta não significa compactuar com seus
códigos simbólicos, comportamentos, valores e balizas morais. Como ressaltou
Alabarces, há uma sorte de ética do aguante,
profundamente arraigada em um conjunto de concepções não só heteronormativas,
mas definitivamente pertencentes a um etos eminente e restritamente masculino. Nestas
condições, a torcida ainda se configuraria enquanto um espaço, para roubar um
dos termos célebres das crônicas do prof. Luiz Carlos Ribeiro neste blog, de “machos beberrões”.
Entre
os diferentes elementos que permeiam sua construção e manifestação como tal, a
corporalidade assume papel central. Basicamente, é através do corpo que o aguante se estabelece como tal, que
demarca tanto sua presença física, notadamente no interior dos estádios e seus
arredores, quanto suas vinculações, identificações, oposições e enfrentamentos
com o outro. A linguagem é tanto corporal em seu gestos quanto nos cânticos, nas
palavras, nas provocações bradadas. De forma mais simples e direta é o corpo
que aguenta a carga emotiva, em diferentes sentidos.
Não
por acaso a sexualidade, sob uma chave impositiva masculina, simultaneamente individual
e coletiva, isto é em relação sua relação com os outros e dentro da própria
comunidade, aparece como referência central e recorrente. A subversão do corpo,
seja através de sua exaltação ou maculação, assigna a própria tentativa de
submissão e alocação do sujeito.
De
certa forma, a ética do aguante perpassa necessariamente pela exteriorização estética
de seu posicionamento político e cultural. É preciso torná-las visíveis, e o
estádio é o espaço central para “publicizar” suas posturas. Talvez por isso,
entre outros fatores, ainda verifiquemos a feroz resistência às tentativas de
transformação / reivindicação dos estádios em um espaço plural, especialmente na
incorporação e explicitação das diferenças de sexo e gênero.
De certo modo, a
abertura das arquibancadas para aqueles que destoam do aguante significaria
ceder duplamente: em sua postura ética e no domínio de um espaço político / público
que até pouco se caracterizava como próprio e exclusivo.
Logo
no início do vídeo que fomentou parte desta reflexão, situado em um encontro
entre Rosário Central e Boca Juniors ainda em 2008, e que expõe parte dos
aspectos abordados neste breve comentário, um dos torcedores xeneizes responde ao inquiridor sobre o
problema da falta de espaço para sua hinchada
como visitante no estádio: “hay chicos y
hay mujeres, ese es el problema”. Imaginem se além de mulheres e crianças
houvessem, reconhecidamente, outros torcedores menos tolerados no terreno aguante.
Sugestão e comentários de Ernesto Sobocinski Marczal.