Hobsbawm o comunismo e
eu
Eduardo Fabiano Pereira
Confesso:
não sou nem nunca fui comunista. Mas também nunca me preocupei em ler Eric Hobsbawm
sob o rótulo auto impingido. Sim, ele era comunista e eu não. O que não quer
dizer que não existam em mim algumas lembranças fortes o suficiente para
sobreviverem à minha infância. Recordo claramente de Misha, o urso mascote das
olimpíadas de Moscou, chorando no encerramento dos jogos. A mensagem que aquele
urso carismático me passava era muito mais agradável que a dos americanos,
quatro anos depois em
Los Angeles. A parafernália tecnológica e a megalomania do
programa Guerra nas Estrelas não me comoviam. Como poderiam?
Até
hoje o hino da ex-URSS me comove (não, não é a Internacional Comunista). Mas
nem essas, nem outras simpatias posteriores, foram capazes de me transformar em
um comunista. Provavelmente porque tendo nascido em meados da década de 1970,
quando finalmente atingi alguma consciência política mais abrangente, o
comunismo já se contorcia em
agonia. Claro que havia lido vários romances sobre a Rússia e
o comunismo, sobre Cuba ou China. O que mais me marcou foi “Dez dias que
abalaram o mundo” de John Reed. Devorei aquele livro e todos os que
posteriormente me caíram nas mãos, principalmente sobre a Segunda Guerra e a
importância da URSS na derrota da Alemanha. Paradoxalmente, quanto mais
admirado com aquela potência, menos comunista eu era.
Quando
finalmente entrei na faculdade de História, em fins da década de 1990, é que
ocorreu uma pequena aproximação. Fiquei surpreso, descobri que ainda haviam
comunistas, socialistas, marxistas ou o nome que se queira dar, e que ainda
eram muitos. Ah, a paixão política! Para mim, não passava de ingenuidade, mas,
uma doce ingenuidade. Para eles, talvez, uma possibilidade ainda real de
mudança. E comecei a lê-los. A maioria não me convencia mas alguns escapavam
pelas frestas. Hobsbawm era um deles. Sua escrita era fácil, simples mas não
simplista. Perto de muitos outros, uma das leituras mais agradáveis e
convenhamos, em se tratando de ciências humanas, isso não é pouca coisa. Ao
contrário da Física, que conta com divulgadores dos mais pacientes como Sagan e
Hawking, muitos historiadores tendem a ser empolados, ou pior, confundem
erudição com conteúdo. Não é necessário espremer 40 referências obscuras em
cada parágrafo para se fazer entender. Muito pelo contrário. Hobsbawm escrevia
assim, de maneira mais direta e generosa, nem por isso deixou de ser
considerado um dos grandes intelectuais contemporâneos.
Mas
estou chovendo no molhado, então voltemos a maneira como encontrei o ser humano
que me fez perceber que nem todo comunista é chato ou anacrônico (não me
entendam mal, capitalistas são bem mais chatos, embora bem menos anacrônicos).
Já havia lido suas “Eras” disso e daquilo, assim como outros textos menos
badalados, mas foi com “Tempos Interessantes” que me rendi definitivamente ao
velho comunista. Uma sensação parecida com a que tive quando li “A estranha
derrota” de Marc Bloch. Em ambos os casos, é um ser humano que fala a um
público geral. Historiadores revisando seu tempo a partir de óticas muito
particulares e igualmente válidas embora o caso de Bloch seja um tanto mais
dramático. De qualquer forma, há um trecho de Hobsbawm que gostaria de
reproduzir:
Estou disposto a
reconhecer, ainda que lamentando, que o Komintern de Lenin não foi uma boa
ideia nem – desta vez sem dificuldade, pois nunca fui um sionista – o projeto
de Theodor Herzl de um Estado nacional judeu. Teria sido melhor se ele tivesse
permanecido como o colunista-estrela Neue Freie Presse. Mas se me
pedissem que considere a proposição de que a derrota do nacional-socialismo não
valeu os 50 milhões de mortos e os incontáveis horrores da Segunda Guerra
Mundial, eu simplesmente não poderia fazê-lo. Contemplo a possibilidade de um
império mundial americano, cujas chances de longo prazo são poucas, com mais
receio e menos entusiasmo com que olho para o desempenho passado do antigo
Império Britânico, dirigido por um país cujo tamanho modesto o protegia da
megalomania. (Tempos Interessantes, 2002)
Escrito
em grande parte no leito de um hospital, em paralelo aos desdobramentos do
ataque às torres gêmeas, este livro e passagens como esta, me fizeram crer que
o historiador falava mais alto que o comunista, assim como o ser humano falava
mais alto que o judeu. Não quero entretanto entrar em polêmicas específicas,
apenas reconhecer a importância deste historiador na minha formação. Reconhecer
como uma homenagem quase insignificante de um simples mestrando, que Hobsbawm,
entre uns tantos outros grandes historiadores, na verdade, ainda não morreu. E
se não sou o mais capaz para lhe fazer uma homenagem propriamente acadêmica, ao
menos, deixo a ele o meu obrigado.