O voo cego da modernização brasileira
Luiz Carlos Ribeiro
A
vantagem da entre safra esportiva – como a que vivemos nesse momento, apesar
(ou por causa) dos campeonatos estaduais – é que os jornais, “por falta de
assunto”, publicam artigos de análise da situação política e financeira dos
clubes. Ou seja, como há poucos jogos interessantes, a solução para a mídia é
sair do lugar comum e trabalhar árduo para produzir a pauta do dia. Para nós
cientistas políticos que discutimos o futebol, na maioria das vezes para além
das quatro linhas do campo, este é um momento de safra gorda.
Dessa
maneira que registramos duas reportagens recentes no jornal Gazeta do Povo, de
Curitiba. Uma (26.02.2013) analisando o desaparecimento dos clubes de segundo e
terceiro escalão e a consequente crise dos campeonatos estaduais.
A
decisão de alguns clubes em jogar o estadual com times mistos ou totalmente
compostos de jogadores reservas e/ou sub-23 é bem a expressão desse quadro. O
interessante é que essa tendência, ao mesmo tempo em que revela uma crise na
estrutura futebolística brasileira, paradoxalmente é a oportunidade de se
testar novos atletas, seja para prepará-los para o time titular, seja para
expô-los para a venda.
A outra
reportagem (06.03.2013) reproduz a reivindicação do presidente do Coritiba pela
implantação do fair play financeiro nos clubes de futebol. Como sabemos, essa
modalidade foi aprovada em 2008 na Europa e começou a ser implantada em 2012. Determina
que os clubes que não estiverem com sua contabilidade em dia deverão sofrer
punição esportiva como, por exemplo, não participar dos campeonatos principais.
O objetivo é a saúde financeira dos clubes, obrigando-os a ajustes de modo a só
gastar aquilo que efetivamente arrecadam. Visa, principalmente, impor a
transparência contábil, evitando a recorrente lavagem de dinheiro das máfias
internacionais. Mas a medida tem também um interesse sociocultural: ao
dificultar o acesso aos recursos obscuros, o fair play financeiro obriga os clubes
a reduzir as importações e a investir na formação local de jogadores.
Como o
Brasil não é um mercado importador de atletas e nem financeiramente atrativo
para as máfias internacionais, a proposta do fair play é aparentemente menos
urgente e os clubes vêm rolando suas dívidas, seja com seus funcionários e
atletas, seja com o fisco público.
Porém,
a Receita Federal resolver agir, pois é notória a relação do endividamento dos
clubes com o enriquecimento de dirigentes, agentes e mesmo atletas (uma minoria),
evidenciando a existência de um mercado informal que se organiza ao largo do
direito comunitário.
A
expressão dessa situação é o embate entre a Receita Federal e a CBF e o
ministro Aldo Rebelo. Enquanto a Receita aplica a legislação existente desde
1998, que determina que os clubes são empresas privadas e, portanto, estão
sujeitos a cobrança de impostos, a CBF e Rabelo reivindicam o estatuto de
clubes “sem fins lucrativos”, logo isentos de impostos. O impasse encontra-se há
quase um ano na Casa Civil e é pouco provável que se resolva até a Copa de 2014.
Na minha leitura, o governo federal sabe que a Receita tem razão, mas não lhe
interessa um embate com a CBF e clubes às vésperas do Copa.
Enquanto isso o desmando financeiro dos clubes só não é mais desastroso
por conta das pressões trabalhistas dos funcionários e atletas, exigindo na
justiça comum seus direitos. O mesmo ocorrendo com relação às empresas que
prestam serviço aos clubes e com os bancos, que realizam empréstimos e cobram juros
elevadíssimo, proporcionais ao risco do investimento.
Desse modo, o crescimento comercial dos clubes no Brasil impôs,
paradoxalmente, uma situação de contenção compulsória aos clubes, impedindo-os
de maior endividamento.
É nesse voo cego e contraditório da modernização do futebol brasileiro
que sobrevivem os campeonatos estaduais e os clubes locais e de menor poder
econômico. É graças a incompetência dos dirigentes dos grandes clubes em
modernizar e profissionalizar o futebol que sobrevivem os pequenos clubes. O
enterro do Clube dos 13, em 2011, sinalizou vida longa ao arcaico. Ainda bem.