Seleção (brasileira?): códigos de consagração nos oitenta anos de selecionado nacional - por Daniel Ferreira.
Pierre
Bourdieu escreve em “Regras da Arte” que, embora a genialidade do artista, a
consagração deste poderia ser vista à partir de códigos próprios de estruturas
sociais. Partimos da convocação do selecionado nesta sexta, 11 de maio de 2012,
quando Mano Menezes convocou o selecionado brasileiro (que geralmente é
referenciado como futebol arte) de
futebol visando aos jogos olímpicos (em Londres 2012). Dos 23 convocados 13 são
“estrangeiros” (jogam em clubes fora do Brasil), 8 do eixo Rio-SP, e 2 gaúchos (do
Internacional). As convocações de
seleções brasileiras geralmente são acompanhadas por uma euforia na mídia,
porém historicamente veremos que pelo menos paras copas do mundo, estas
convocações poderiam ser descritas com base em determinadas regras.
O Brasil
jogou até hoje dezenove copas desde 1930. Como se sabe, venceu cinco delas,
sendo vice-campeão (ainda) em duas oportunidades. Símbolo de brasilidade pra
muitas pessoas – ainda nos dias atuais – a verdade é que se pegarmos as
formações desses 80 anos de seleções nacionais, veremos ser meio insustentável
a ideia de que se configura um espaço de de consagração máxima e meritocrática
do povo brasileiro(considerando-se a
as contradições inerentes a esta ideia), se partirmos de uma abordagem em que
se leva em consideração uma categoria de análise que poderia ser descrita de
forma geral como regionalismo. Nosso
método considera o estado do clube em que o jogador atuava quando na seleção.
Há de
se mencionar, antes de tudo, que a história do selecionado nacional nas copas
do mundo atravessa praticamente todo um século, construindo-se e
influenciando-se por inúmeros acontecimentos. No plano internacional, por
exemplo, acompanhamos o entre-guerras, o nazi-facismo, a segunda guerra, a guerra
fria e o triunfo do capitalismo. No plano interno, a industrialização e
urbanização do país, além de regimes políticos que caminharam entre democracia e o autoritarismo. Já no campo esportivo a profissionalização do
desporto (e neste momento com a incorporação dos afrodescendentes), a consagração
(e também o drama e a crise) do futebol-arte,
a criação do campeonato brasileiro, do fim da lei do passe, a introdução do
conceito de gestão empresarial – cujos clubes europeus se tornaram os maiores
protagonistas - a globalização, a midiatização e espetacularização do esporte,
enfim são inúmeras as outras temáticas que cercam e atravessam o objeto desta
crônica e que, senão podem aqui ser exploradas, oferecem a ideia do quão
avizinhada foi por acontecimentos relevantes a história do selecionado
nacional.
Assim,
acompanharemos que desde o Uruguai (1930) o selecionado foi composto por
praticamente 70% de jogadores que jogavam então em clubes do eixo RIO-SP, mais
ou menos 29% provenientes de clubes MG-RS, e a porcentagem que sobra se trata
do jogador Kleberson que atuava ano Atlético-PR em 2001.
Em cinco
oportunidades (entre elas 1958 e 1962) o selecionado foi composto apenas por
jogadores do eixo RIO-SP. Até 1958 (e com exceção de 1990), a predominância era
de cariocas, quando então, os paulistas passam a figurar numericamente em
destaque. Um mineiro participou em 1930, e este estado voltaria a ser
representado apenas em 1966. Os gaúchos estrearam em 1950 com dois
representantes.
À partir de
1982, com Falcão e Dirceu marcariam os primeiros “estrangeiros” no selecionado.
E estes foram paulatinamente aumentando, chegando quase a totalidade(22) dos
convocados em 2010, quando a exceção foi novamente Kleberson, agora no
Flamengo-RJ. Dos estrangeiros, a porcentagem não se altera muito quanto à
regionalidade: mais ou menos 70% deles foram exportados de clubes de RIO-SP,
enquanto que a diferença destacam-se jogadores, sobretudo, de MG-RS.
De fato Rio-SP (e por extensão os clubes dali)
construíram-se regiões historicamente mais fortes economicamente no nosso país,
ao longo do século XX. Mas será que nossa economia futebolística foi assim tão
dinâmica e meritocrática ao longo desse século capaz de justificar essa
predominância regional, no selecionado nacional, mesmo com contradições que
impediriam o livre mercado de atletas como a “lei do passe”? Jogou-se mais
futebol, e por isso melhor, nessas
regiões? Considerando ainda que a mídia mais forte historicamente e economicamente,
em termos de Brasil, é também dessa região: em que medida isso contribuiu para
legitimar a convocação dos atletas nesses 80 anos? Enfim muitas questões podem ser levantadas á
partir dessas informações, mas que um modelo permanece, isto é bem claro.