Encarando o abismo (ou sobre como ser
otimista), por Eduardo Pereira.
Nos últimos anos
aprendi a acompanhar balanços de clubes. Não que sejam emocionantes por si
mesmos, ou que eu pretenda comemorar caso meu clube venha a alcançar a casa das
centenas de milhões de reais, mas, a observação das diferenças gritantes entre
os orçamentos disponíveis especificamente para o departamento de futebol dos
clubes grandes, médios, pequenos e, digamos, minúsculos, pode causar uma
sensação de vertigem; a mesma que tem levado vários especialistas, cronistas e
curiosos em geral a se perguntar: seria a “espanholização” do futebol
brasileiro?
Acompanhando os
diversos estudos que a Pluri Consultoria vem realizando (largamente discutidos
no blog de Emerson Gonçalves, http://globoesporte.globo.com/platb/olharcronicoesportivo), me percebo inclinado ao grupo dos
que acreditam na formação de um núcleo de 4 ou 5 clubes de ponta, sempre disputando
e vencendo títulos, seguido de outro grupo, pouco maior, em cujo seio
despontariam eventualmente 1 ou 2 como candidatos sérios a títulos por um
determinado ciclo, ao fim do qual, seriam substituídos por outros daquele mesmo
grupo secundário de “eternos candidatos” à grandeza. E assim sucessivamente,
compondo a pirâmide monetária do futebol.
Nada muito
diferente do que ocorre hoje, embora os campeonatos estaduais ainda funcionem
como válvula de escape para a sede de títulos dos pelotões secundário e
terciário. Talvez lhes falte perceber o crescimento das receitas numa relação
exponencial, aumentando constantemente o abismo. Por outro lado, é possível que
o eu torcedor, como que buscando alguma esperança, esteja dizendo: “nenhum
crescimento, exponencial ou mesmo aritmético, pode ser eterno!” Seja como for,
seria útil que todos os envolvidos com o futebol pensassem a respeito. Como
disse certa vez João Saldanha, em relação às discussões internas no PMDB, sobre
a posição que o partido deveria tomar quanto ao plebiscito de 1993: “algumas
questões tem que ser programáticas”. O futebol brasileiro parece estar inserido
no mesmo padrão ao qual Saldanha se referia, reproduzindo uma partidarização
desideologizada, partindo de oligarquias personalistas, cuja profissão de fé,
reduz-se à perpetuação da própria espécie. Neste quadro restaria a muitos
clubes, hoje tidos como grandes, orbitar alguns poucos gigantes.
Ferran Soriano, em
A bola não entra por acaso, afirma que nem todos os clubes tem que ser
grandes, há sempre alternativas e nichos de mercado a se explorar. Certo, mas e
o imponderável? Não é justamente na incerteza provocada por um mínimo de
similaridade de condições, que surge grande parte das paixões futebolísticas?
Ou, numa alusão quase involuntária a Rainer Maria Rilke: com que frequência
podemos ter a esperança do imponderável diante do abismo? Como diria Nietzche:
quando encaramos suficientemente o abismo, ele nos encara de volta. E por aí
surge o medo de que venhamos a ter aqui a reprodução do modelo espanhol.
De certa forma, um medo
relacionado a um modo de torcer que busca sempre a vitória em detrimento da
disputa. Um receio, melhor dizendo, de que uma maior polarização leve, inevitavelmente, ao ciclo vicioso de concentração de renda, torcida e títulos. Quanto
a mim, a paixão pelo futebol se iniciou através de um clube marginal, que pouco
ganhava mesmo no contexto regional e, por vezes, me vejo desconfortável com a
noção de que meu time tem que ganhar a qualquer custo. Se ele voltar a ser
pequeno e marginal, ou se se definir como médio, talvez, seja possível que eu
reencontre o prazer de torcer que abandonei lá pelo início da década passada.
De qualquer forma, seria exigir demais do torcedor em geral que siga a mesma
lógica – palavra aliás, pouco adequada ao futebol em si. Apesar disso, ou
talvez justamente por isso, não é a “espanholização” do futebol brasileiro o
que vejo no horizonte, mas, a conformação do processo de concentração a um
modelo brasileiro ainda indefinido. Neste sentido, o futuro sob o olhar dos
analistas, assim como o passado nas mãos dos historiadores, está em constante
construção e reconstrução.