quarta-feira, 28 de julho de 2010

CRÔNICA - Identidade (inter) nacional

Natasha Santos
Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade-UFPR


Alguns dias antes do fatídico jogo nas quartas-de-final entre Brasil e Holanda, Johan Cruyff, ex-jogador holandês, que liderou a “Laranja Mecânica” vice-campeã mundial em 1974, decidiu se pronunciar quanto ao futebol apresentado pela seleção brasileira. Pois bem, em entrevista ao jornal britânico Daily Mirror, Cruyff foi cabal ao dizer que “Jamais pagaria um ingresso para ver uma partida desta seleção brasileira”. E justificou alegando que “O Brasil tem jogadores de talento, mas que jogam de forma defensiva e pouco interessante. Isto é uma vergonha para o público e para o torneio, porque é uma equipe que a torcida quer ver jogando bem”. Cabe lembrar que Cruyff foi um dos craques que revolucionou o futebol holandês, imprimindo um caráter estético e ofensivo ao jogo do Carrossel Holandês. E não se pode esquecer, ainda, que esta equipe venceu o escrete brasileiro por 2X0, na segunda fase da Copa de 1974, após a brilhante conquista brasileira do tricampeonato mundial de 1970.

Inevitavelmente, cabe retomar o fato de o futebol ter sido incorporado a um ideal de brasilidade, por meio do que se pode chamar de tradição inventada, segundo a qual, as peculiaridades brasileiras seriam a ginga, a malícia, o improviso no jogo e afins. Essa maneira de jogar acabou reconhecida pelos outros países, que atribuem ao Brasil uma forma característica de jogar bola e que, assim como os brasileiros, também esperam um espetáculo futebolístico em verde-e-amarelo. Isso se evidencia nas falas de Cruyff que se seguem... “Onde está a magia brasileira?”; ou ainda: “O Brasil precisa jogar com mais intensidade, com mais criatividade, porque são especiais”.

Essa “magia” futebolística acaba sendo deveras exigida do selecionado nacional, sobretudo por parte de quem só assiste ao futebol em mês de Copa. É nesse sentido que se pode justificar a hostilidade com que o povo recebeu jogadores e comissão técnica brasileiros, depois da desclassificação da Copa de 2010, pela Holanda – equipe que também não escapou das críticas de Cruyff. Diante disso, arrisco a dizer que, no “país do futebol”, é menos penoso ser Bruno do que Felipe Melo.
Enfim, é a tradição de sempre esperar mais e nunca aceitar menos da seleção brasileira de futebol, afinal um rei pode até perder o trono, mas nunca a majestade.


E você, concorda? O que pensa a respeito? Poste seu comentário.

3 comentários:

  1. É o velho dilema entre o futebol arte e o futebol pragmático (que visa só o resultado). Fica a pergunta: qual seleção será lembrada de forma mais positiva, a de 1982 que perdeu para Itália ou a vitoriosa de 1994?

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  2. Todo mundo fala que lembra da beleza da seleção de 82 (eu inclusive-rsrsrs), mas recordo que na época Telê foi posto na berlinda. Foi alvo de críticas, em especial do Jô "Bota Ponta Telê" Soares. Ou seja, brasileiro gosta mesmo é de ganhar, e de preferência, dando show.

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  3. O futebol "arte" é uma tradição inventada, mas de raízes muito profundas. O momento de sua fundação, muito provável, ocorreu com a dupla conquista de 58 e 62, nos pés dos gênios Pelé e Garrincha. Aquilo que foi jogado surpreendeu e encantou o mundo. A derrota do Brasil em 66 anunciou um desenvolvimento técnico-científico no meio futebolístico. O futebol passou a ganhar mais força física e tornou-se mais estratégico. Reinventava-se o futebol apolínio e nunca mais houve "joão-bobo". Não há mais espaço para o futebol da arte. Lembremos 1982. Argentina e Alemanha deram show em 2010, mas voltaram sem título. Ganhou o futebol burocrático de Holanda e Espanha. Se algum dia a arte voltar será um renascer, uma nova invenção, mas nunca como fora antes.

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