quinta-feira, 10 de março de 2011

Direitos Federativos e Direitos Econômicos "pós" extinção do passe

As alterações no vínculo entre clube e atletas com as mudanças processadas pela Lei Pelé

por Gustavo Lopes P. de Souza

A Lei 9.615/1998, conhecida como Lei Pelé é a Lei Orgânica do Desporto Brasileiro e em seu art. 28, § 2º extinguiu o “passe” dos atletas ao dispor que o vínculo do jogador com o clube é acessório ao contrato de trabalho e com ele se extingue.

Ao contrário do que ocorria anteriormente quando o vinculo que prendia o atleta ao clube, não se dissolvia com o término do contrato de trabalho, com o advento da Lei Pelé, findando-se o pacto laboral, o atleta está livre para firmar novo contrato de trabalho com outro clube.

Após muita polêmica e preocupação por parte dos clubes que tinham em seus atletas seu maior patrimônio, o esporte, especialmente o futebol, adequou-se à nova realidade.

Para proteger “seu patrimônio” os clubes passaram a realizar contratos de maior duração e, em caso de rescisão (transferência) fizeram “jus” a cláusula penal no valor de até cem vezes o salário anual do jogador para transferências nacionais e ilimitado para as internacionais, conforme assevera o art. 28, caput, da Lei 9.615/1998.

Assim, ao invés de vender o atleta, o clube (empregador) passou a receber verba rescisória pelo término do contrato antes do prazo por iniciativa do empregado (jogador).

Neste esteio, houve uma espécie de divisão do direito sobre a atividade do atleta entre direitos federativos e direitos econômicos.

O Direito Federativo constitui o direito do clube em registrar o atleta na Federação (CBF) estabelecendo um vínculo com a agremiação onde o empregado exercerá seu trabalho. O Direito Federativo é oriundo do contrato de trabalho entre o clube e o atleta, sendo acessório ao pacto laboral. Assim, uma vez terminado ou rescindido o contrato de trabalho, extingue-se também o direito federativo.

Desta feita, os direitos federativos são indivisíveis, eis que não podem ser parcialmente cedidos nem divididos. Os direitos federativos serão sempre integralmente (100%) do clube pelo qual o jogador atuará, ou seja, no qual o atleta está registrado, ainda que por empréstimo. Por exemplo, se o Atlético empresta o jogador Diego Tardelli ao Internacional, durante o período do empréstimo 100% dos direitos federativos serão de titularidade da equipe gaúcha.

Ressalte-se que o jogador emprestado deve anuir com o empréstimo/cessão de seu contrato, bem como deve haver registro na Federação (CBF), razão pela qual o clube que recebeu o jogador em empréstimo é responsável pelo seu contrato de trabalho durante o tempo que o atleta estiver atuando por ele. Dessa forma, em caso de empréstimo, todos os direitos e obrigações são da equipe em que ele estiver jogando e não da equipe que o emprestou. Terminado o período de empréstimo, o atleta retorna ao clube para cumprimento do restante de seu pacto laboral.

Por outro lado, os “direitos econômicos” representam a receita gerada com a rescisão unilateral do contrato de trabalho por parte do atleta, via de regra, motivados pela transferência a outro clube. Trata-se de espécie de cessão onerosa (temporária ou definitiva) do direito federativo estabelecido em contrato de trabalho.

Constantemente os direitos econômicos são negociados com terceiros estranhos às atividades esportivas, conhecidos como investidores, que adquirem determinado percentual dos direitos econômicos sobre um atleta, pagando ao clube que detém o direito federativo (e o direito econômico) o preço ajustado para a negociação.

Ao contrário dos direitos federativos, os direitos econômicos podem ser parcialmente negociados pelos clubes com terceiros. Assim, o Atlético poderia ceder a investidor 20% dos direitos econômicos sobre o jogador Diego Tardelli e, em caso de transferência (rescisão do contrato de trabalho), o empresário teria direito a receber o referido percentual do valor da cláusula penal.

Sobre a diferença entre os "direitos federativos" e os "direitos econômicos", Luiz Felipe Santoro, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, em artigo intitulado "Diferenças entre os direitos federativos e econômicos no futebol", elucida:

"Direito Federativo é o direito do clube em registrar o atleta na Federação (CBF) como vinculado a ele (clube). O Direito Federativo nasce com a celebração do contrato de trabalho entre o clube e o atleta e é acessório ao contrato de trabalho. Assim, uma vez terminado ou rescindido o contrato, extingue-se o direito federativo.”

Na prática, ao contratar um jogador e registrá-lo junto à CBF (adquirindo, portanto, os "direitos federativos"), o clube estipula cláusula penal obrigatória no contrato, em função do disposto no caput do art. 28 da Lei 9.615/98, que incidirá em casos de rescisão unilateral, rompimento ou descumprimento da avença pelo jogador.

Como o valor da "multa" pode atingir quantias elevadas e, em se tratando de grandes atletas, pode ocorrer assédio por outras agremiações antes do final de seu contrato, então o clube que detém os seus "direitos federativos" passa a negociar a rescisão antecipada que se consubstancia na venda (ou cessão) dos "direitos econômicos", que nada mais são do que percentuais previamente fixados sobre o eventual recebimento da cláusula penal a que se refere o aludido art. 28.

O negócio jurídico, envolvendo os "direitos econômicos", constitui investimento de "risco". Destarte, um jogador é contratado pelo clube "X" e em seu contrato de trabalho, é estipulada uma cláusula penal de R$30.000.000,00 (trinta milhões de reais). Tendo em vista que o atleta está despontando, o clube cede ou vende 40% dos "direitos econômicos" do jogador a empresa "Y" (que pode ser qualquer empresa, ou mesmo pessoa natural). Pela aquisição da referida percentagem, a empresa "Y" paga à agremiação a quantia de R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). Com a transferência do jogador para qualquer outro clube, antes do término de seu contrato de trabalho, esta receberá, nada menos do que R$12.000.000,00 (doze milhões de reais), da cláusula penal total (R$30.000.000,00), paga ao clube "X". Por outro lado, inocorrendo a transferência do atleta e seu contrato de trabalho viesse ser extinto pelo decurso do prazo, a empresa "Y" quedaria em prejuízo.

Tal prática tem se tornado corriqueira no desporto brasileiro, inclusive, o Banco mineiro BMG, cujo Presidente Ricardo Guimarães foi dirigente máximo do Clube Atlético Mineiro, criou fundo de investimento em atletas, registrado na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) com patrimônio de cinqüenta milhões de reais, de nome SOCCER BR1 cujas as operações correspondem à compra e venda de direitos.

A título de ilustração do quão pode ser rentável o investimento em direitos federativos, o jogador santista Paulo Henrique “Ganso” teve 45% dos seus direitos econômicos adquiridos por um empresário, por € 2,2 milhões, quando ainda era desconhecido. Já houve proposta de € 20 milhões para transferir o atleta para uma equipe francesa. Seu companheiro de equipe, o atacante Neymar, teve 40% dos direitos adquiridos por investidor que poderá ter rentabilidade semelhante, pois o percentual custou ao empresário € 3 milhões e, atualmente, o jogador pode ser negociado por cerca de R$ 35 milhões, dos quais € 14 milhões seriam embolsados pelo investidor.

Percebe-se, portanto, que, com o fim do instituto do “passe” surgiu a figura do “investidor” e os clubes viram-se obrigados a gerenciar os contratos dos atletas e a dicotomia entre direitos federativos e direitos econômicos eis que o término do contrato de trabalho do atleta por decurso de prazo passou a traduzir prejuízo à agremiação e aos eventuais investidores.

Texto sugerido por Edson Hirata
Fonte: http://www.universidadedofutebol.com.br/2011/03/1,14973,DIREITOS+FEDERATIVOS+E+DIREITOS+ECONOMICOS+A+REALIDADE+POS+EXTINCAO+DO+PASSE.aspx

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário aqui.