quinta-feira, 17 de abril de 2014

Por um futebol descentralizado na América do Sul
“Eu penso que não pode haver tanto time dentro da capital e no interior não ter. Primeira coisa: descentralizar o futebol. A gente não vai pros jogos porque não são muito interessantes, e alguns não vão porque não tem times para assistir.”
Essas palavras são do volante uruguaio Sebástian Eguren, nascido e criado em Montevidéu, crítico da problemática estrutura do futebol sul-americano que prioriza os clubes das capitais, marginalizando torcedores, patrocinadores e oportunidades vindas de regiões nem tão afastadas dos grandes centros.
O futebol cresceu junto com as principais cidades de cada país. Em cada polo comercial que nascia, um grupo de trabalhadores se divertia praticando o football. Na Argentina, o principal caminho marítimo era o porto de La Boca, onde se formou posteriormente o Boca Juniors por filhos de imigrantes e obreiros. No Uruguai, após chegarem pelo Rio da Prata, as importações rumavam para áreas mais afastadas da região portuária pela Central Uruguay Railway Company of Montevideo, composta por trabalhadores que formariam o CURCC, posteriormente chamado de Peñarol. Apesar das mercadorias atravessarem longos caminhos, o desenvolvimento ocorria nas grandes cidades, como Montevidéu e Buenos Aires. E essa estrutura se mantém hoje, com o olhar centrado às grandes capitais. Quem rompe com esta estrutura, porém, consegue bons resultados.
O futebol uruguaio é o mais centralizado da América do Sul: 14 dos 16 times que jogam a primeira divisão são de Montevidéu. Dos 19 departamentos, apenas três estão representados na primeira divisão. Talvez o dado que cause mais surpresa é o intervalo de 67 anos do primeiro torneio profissional disputado, em 1932, até 1999, quando o primeiro time de fora de Montevidéu jogou a primeira divisão. Pela primeira vez na história, Nacional e Peñarol sairiam de Montevidéu para jogar um jogo oficial dentro do Uruguai.
Quando há injeção de dinheiro, o futebol regional funciona e conquista. O troféu de campeão uruguaio demorou 73 anos para sair de Montevidéu. O estado de Rocha uniu todos times da região, investiu dinheiro no futebol local e nas categorias de base, montou um time do mesmo nome do estado e foi campeão do Apertura 2005. Porém, sem receber direitos televisivos e patrocínios como os centrais, acabou descendendo e tornou-se mais um time que um dia fez história, porém hoje está impossibilitado de repeti-la.
Qual é a principal cerveja argentina? Qual é o maior banco do Rio Grande do Sul? Qual é a companhia de energia do Rio de Janeiro? Patrocinadores de futebol buscam visibilidade. Alguns querem ser mostrados em todo mundo, outros querem apenas reafirmar suas posições em seus estados. Estar à mostra na camisa evidencia a marca de uma empresa. Sem dúvidas, você, leitor, respondeu Quilmes, Banrisul e Eletrobrás por ligar marcas ao que é mostrado nos campos de futebol. As empresas citadas são fortíssimas em seus respectivos mercados, porém buscavam o “share of heart” dos apaixonados pelo esporte. Quando há centralização do futebol, injeções de dinheiro no esporte são retraídas, ainda sim que as empresas queiram mostrar suas marcas, casos de todos times que disputam a primeira divisão do Uruguai e da Argentina que são de fora da capital, todos possuem patrocinadores locais, mas que se desgastam por não verem retorno. O último caso de grande exibição foi o Belgrano, em 2011, após ganhar do River Plate e rebaixar o gigante argentino, colocando em evidência o Banco de Córdoba e a Tersuave. O empresariado busca ajudar a equipe local, mas sem retorno, é impossível.
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A falta de patrocínios não resulta somente na má qualidade do futebol apresentado por times de fora das capitais, mas na péssima formação do futuro do país no futebol. Para a Copa de 2010, o Uruguai teve 13 jogadores nascidos em Montevidéu, dez no interior e um na Argentina. Porém, se não há equipes em seus respectivos estados, esses jogadores devem se deslocar às capitais, pela mão de empresários, em busca de um incerto sonho, deixando para trás estudo e família. Suárez e Cavani são grandes exemplos de jogadores que deram certo amparados pela sorte. Ambos saíram de Salto, estado no qual nunca teve um time de futebol na primeira divisão.
A saída do futebol das capitais para diversos cantos do país rende frutos futuros para o esporte local. Na Argentina, ocorre anualmente, após uma pausa de 31 anos, a Copa Argentina, disputada por 224 times de todas 23 províncias do país, em 11 sedes neutras pelos quatro cantos argentinos. A cada ano são revelados mais times do interior e quando os grandes times jogam nos rincões do país, os estádios lotam, casos de Catamarca, que recebeu a final de 2013, San Juan, palco da final de 2012, e Chaco.
Os campeonatos nacionais mais emblemáticos ocorrem na Colômbia e na Venezuela. Ambas disputadas desde os anos 60, com equipes de todo país, misturando capital e interior. Nesses dois países, ocorre um fenômeno particular: o crescimento conjunto do esporte em toda nação. Na Colômbia, o maior campeão nacional da história está na capital Bogotá, o Millonarios, com 14 títulos, porém o maior campeão fora da capital, o Atlético Nacional, de Medellín, tem 13. Caso parecido com a da Venezuela, o time da capital, o Caracas, é o maior vencedor com 11 troféus, porém o maior fora da capital tem sete, o Deportivo Táchira.
No Paraguai, por outro lado, 58% dos times na primeira divisão em 2014 são da capital. Historicamente, o Olímpia tem 39 tentos, o maior campeão nacional. O time mais glorioso de fora da capital tem dois títulos, o Sportivo Luqueño, também o último time campeão fora de Assunção, em 1953. Luque, no entanto, não pode ser considerada interior: a cidade está do lado da capital Assunção.
A Copa Venezuela nas últimas sete edições teve cinco campeões fora de Caracas. O país tem o futebol mais descentralizado da América do Sul: somente 22% dos times atuam na capital. O que talvez explique o crescimento do futebol do país nos últimos anos, para além dos investimentos estatais.
A preocupação pela descentralização do futebol na América do Sul começou em 1966 no Peru. Naquele ano, inaugurava-se o Torneio Descentralizado – nome que leva até hoje – composto por times de todo país. Apesar de ter 11 estados representados entre os 16 times, os títulos são centralizados nos times da capital Lima. Desde 1966, o Universitário foi campeão 16 vezes, o Sporting Cristal 14 vezes e o Alianza Lima oito vezes. O primeiro e maior campeão fora da capital foi o Unión Huaral, em 1976, que obteve dois títulos nacionais em sua história. Apesar da distribuição de times por todo país, a potencialização dos mesmos ocorre em Lima, onde estão concentrados 42 de 47 títulos após a descentralização do futebol peruano.
A distribuição do futebol nos países sul-americanos
Argentina - todo
ArgentinaCapital Buenos Aires
23 províncias
17% do país joga
70% dos times na capital: 
14 de Buenos Aires; 4 de Santa Fé; 1 de Córdoba, 1 de Mendoza
Maior campeão: River Plate, de BA, 34 títulos
Maior campeão fora da capital: Newells Old Boys, de Santa Fé, 6 títulos
Primeiro campeão fora: Rosário Central, de Santa Fé, 1971Último campeão fora: Newells Old Boys – Torneio Final 2013

http://impedimento.org/por-um-futebol-descentralizado-na-america-do-sul/

Comentário: 

Não tem como escapar, o grande tema da semana é a vitória do Londrina, numa final contra o Maringá, que reabilitou o outrora "clássico do café", hoje "clássico do soja". E, na província vizinha, o campeonato conquistado pelo Ituano em cima do Santos. As duas finais, com a expressividade das torcidas envolvidas no espetáculo - tanto em Maringá, quanto em Londrina, os estádios estavam lotados, ou melhor, faltando vagas - chamam atenção para um universo dos mais interessantes no futebol atual, aquele do, assim chamado, "interior" brasileiro. O tema não é novo, o próprio "Bom Senso F. C." já o colocara na pauta das discussões em fins do ano passado. Descentralizar o futebol, formar um calendário e uma estrutura organizativa que dê conta da vastidão do território brasileiro, dando condições de desenvolvimento para os pequenos clubes e, o mais importante, um mínimo de estabilidade empregatícia aos seus atletas. Tudo isso já é tecla batida, a novidade no texto que recomendo está em desprovinciar o tema, expandindo o horizonte de observação para o restante da América do Sul. Como se distribuí geograficamente a elite do futebol sul-americano? Existem alternativas para a descentralização do futebol de alto nível? Essas são questões suscitadas pelo texto.       

Sugestão e comentário de Jhonatan Souza