terça-feira, 7 de agosto de 2012

Música e Futebol

Quem dá mais? - Noel Rosa



Quem dá mais por uma mulata que é diplomada
Em matéria de samba e de batucada
Com as qualidades de moça formosa
Fiteira, vaidosa e muito mentirosa?
Cinco mil réis, duzentos mil réis, um conto de réis!

Ninguém dá mais de um conto de réis?
O Vasco paga o lote na batata
E em vez de barata
Oferece ao Russinho uma mulata

Quem dá mais por um violão que toca em falsete
Que só não tem braço, fundo e cavalete
Pertenceu a Dom Pedro, morou no palácio
Foi posto no prego por José Bonifácio?
Vinte mil réis, vinte e um e quinhentos, cinqüenta mil réis!

Ninguém dá mais de cinqüenta mil réis?
Quem arremata o lote é um judeu
Quem garante sou eu
Pra vendê-lo pelo dobro no museu.

Quem dá mais por um samba feito nas regras da arte
Sem introdução e sem segunda parte
Só tem estribilho, nasceu no Salgueiro
E exprime dois terços do Rio de Janeiro

Quem dá mais? Quem é que dá mais de um conto de réis?
(Quem dá mais? Quem dá mais? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três!)

Quanto é que vai ganhar o leiloeiro
Que é também brasileiro
E em três lotes vendeu o Brasil inteiro?
Quem dá mais?



Sugestão e comentário de Natasha Santos.


           "Em 1912, um chorinho embalava o jovem Flamengo. Depois, viriam hinos, cantando glórias Brasil a fora. E gente como Pixinguinha, Wilson Batista e Noel ligaria nome e músicas à história do futebol brasileiro". Era assim que uma das edições, do ano de 1978, da Revista Placar iniciava a reportagem "Jogando por Música".
            Foi por volta de 1911/12 que se iniciava este importante filão da música brasileira, a partir do choro do pistonista Bonfiglio de Oliveira, chamado "Flamengo", em uma homenagem ao clube que ingressava no campeonato citadino. O historiador José Ramos Tinhorão aponta, entretanto, "Amadores da Pelota", de A. Borges Teixeira, como a primeira manifestação futebolisticamente musical. Independente de quem deu início ao que se poderia chamar de "hábito" brasileiro, é aproximadamente neste período que futebol e música passam a estabelecer uma relação mais íntima.
            Entre as tantas músicas que abordaram o futebol, algumas não tiveram permanência, como "Flamengo", citada acima, e "Um a zero", de Pixinguinha em parceria com B. Lacerda e Nelson Angelo, trazendo como inspiração o grande craque Friedenreich. Outras, entretanto, tiveram surpreendente ressonância, como "Fio Maravilha", de Jorge Benjor, que ainda em 2012 é popular entre os que ouvem, curtem e cantam a música brasileira.
             A sugestão a que se recorreu foi uma das curiosas crônicas cotidianas cariocas de Noel Rosa. Em "Quem dá mais?", datada de 1931, Rosa trata de um acontecimento que movimentou a cidade do Rio de Janeiro do início dos anos 1930 -- um concurso promovido por uma marca de cigarros, para a escolha do mais popular jogador de futebol. O vencedor foi Russinho, centroavante da equipe do Vasco, campeã de 1929. O prêmio foi uma baratinha, carro cobiçado na época. De maneira irreverente, Noel Rosa trata do caso como a um leilão, que aparentemente representaria uma peculiaridade brasileira, apontando, inclusive, para a venda do próprio país.