segunda-feira, 6 de maio de 2013

A corajosa "Galo Queer": cientista social funda movimento anti-homofobia na torcida do Atlético-MG

Página da GaloQueer no Facebook: torcida contra a intolerância
Página da GaloQueer no Facebook

“Galo é amor, não é intolerância”. Com o lema impactante e o símbolo do Atlético-MG colorido com as cores do movimento LGBT, a Galo Queer, fundada por uma cientista social belorizontina, vem mexendo com opiniões da torcida atleticana. Pudera, trata-se de um movimento que almeja questionar um dos tabus mais fortes do futebol moderno. Definido como “movimento anti-homofobia e anti-sexismo no futebol dos torcedores do Atlético Mineiro”, a página no Facebook do grupo acumulou mais de duas mil curtidas e muitas críticas em pouco mais de 24 horas de existência. 

“Sou atleticana e gosto de futebol desde criança. Passei mais de um ano morando no exterior onde me envolvi com estudos de gênero e da teoria feminista. Quando voltei para o Brasil e para o estádio, vi de um jeito que nunca tinha visto antes. Fiquei muito atônita com a naturalidade e a naturalização da homofobia. Senti um incômodo e uma urgência de fazer algo em relação a isso”, conta Nathalia, cientista social, que pediu à reportagem da ESPN.COM.BR para que não tivesse seu sobre nome divulgado.

Entre críticas, preconceitos, curtidas e compartilhamentos

O fato de não querer ser reconhecida pelo movimento que criou mostra um receio grande da recepção do movimento por parte da torcida. Mensagens condenando a iniciativa não faltam na página, privadas e públicas. Nathalia conta ter recebido mensagens agressivas e ameaçadoras na página do movimento. As críticas vão de mensagens preconceituosas, apelos para que a página seja excluída, desconfiança de que tudo não se passa de uma brincadeira dos rivais cruzeirenses e muita reclamação acerca do símbolo do movimento, que “coloriu” o tradicional escudo do time mineiro.

“Quando se fala de futebol, a gente mexe em um terreno muito conservador e em uma torcida tão grande como a do Atlético pode haver todo tipo de pessoas. Teve gente ficou muito revoltada e não sei até que ponto eles podem levar a questão a outro nível”, pondera Nathalia, que considera a reclamação sobre o escudo um reflexo da dificuldade que a sociedade tem de romper com o que é tradicional. 

Galo Queer, fundada por uma cientista social belorizontina
GaloQueer, fundada por uma cientista social belohorizontina

Manifestações positivas não faltam no outro lado da moeda. Um rápido crescimento de membros na página pode ser observado. Às 18h desta Quinta-Feira, a página já contava com 2148 fãs. Torcedores de outros times chegaram a deixar recados apoiando a causa, e o conteúdo criado é constantemente “curtido” e compartilhado para outros membros da rede social. Odes à Cassia Eller, famosa cantora lésbica e atleticana e a Toninho Cerezo, pai da transexual e modelo Lea T são a pauta do dia na página. No mundo real, a Galo Queer pretende se fazer presente, mas ainda receia.

“Existe a vontade de levar o movimento para o campo, mas claro, de uma forma que proteja a integridade física das pessoas que estão envolvidas, mas não sabemos até que ponto isso é possível. Uma coisa que gostaríamos de fazer é entrar em contato com o clube e ver se abraçam a ideia até para termos mais legitimidade” conta a fundadora. 

Movimento não é restrito para homossexuais

Hoje na reserva do Atlético-MG, o meia Richarlysson se envolveu em polêmica em relação a sua opção sexual quando jogava pelo São Paulo. Quando contratado pelo Atlético-MG, o jogador ouviu protestos de parte da torcida mineira, mas nada comparado ao tratamento que recebia de algumas organizadas do Tricolor Paulista, que se recusavam a cantar o nome do atleta. Mesmo afirmando ser heterossexual, o fato de ouvir o nome de Richarlysson saindo da boca da torcida no jogo contra o Arsenal de Sarandí alegra Nathalia, que garante que o movimento não é restrito a torcedores homossexuais. 

“Inclusive eu me identifico como heterossexual, mas tenho uma luta ativa contra a homofobia porque é algo que não tolero e que não pode ser tolerada. É uma violência. Então não é uma torcida voltada só para o público LGBT e sim uma para todos que acreditam que o futebol tem que ser um lugar livre de intolerância”. 

“Galo Queer”: nome vem da luta do movimento LGBT

Galo, todos sabem, é o apelido do clube alvinegro de Belo Horizonte. “Queer” é uma palavra inglesa que, ao pé da letra, significa “estranho” ou “esquisito”. Com o tempo a palavra ganhou conotação ofensiva em relação aos homossexuais, correspondendo ao termo “bicha” usado pelos brasileiros para designar homossexuais do sexo masculino.

Nos últimos tempos, a luta pelos direitos LBGT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) vem dando novo significado ao termo, que hoje é usado para identificar pessoas ou grupos que desejam “romper com uma ordem heterossexual dominadora da sociedade contemporânea”. 
“Ouvimos falar que o futebol não deve ser misturado com política como se já não fosse.

Colocar o futebol como algo apolítico é ir de encontro com o interesse das forças dominantes. Enquanto o futebol, algo tão importante na sociedade, for um lugar onde tudo é permitido, o preconceito nunca vai acabar pois sempre acontecerão nestas arenas protegidas”, finaliza, receosa e esperançosa, a fundadora do movimento que, se não revoluciona o futebol, ao menos toca em um de seus tabus mais fortes e menos discutidos. 



Sugestão e comentários de Jhonatan Uewerton Souza.

Era 2010, por ocasião do GT de esportes da ANPUH realizado em São Paulo, não recordo dos temas das comunicações, lembro-me apenas de uma intervenção de um pesquisador que perguntava se, afinal de contas, não seria interessante o São Paulo F. C. resignificar a alcunha "bambi", utilizando-a como bandeira política em prol de um futebol mais democrático, que questionasse os preconceitos estabelecidos. Com um pouco de esforço, lembro também da reação de algumas pessoas à proposta, um misto de ironia e incredulidade, como se a ideia fosse mirabolante. Posso até imaginar o que pensaram: "Idealismo! A lógica do campo esportivo (já que usa-se o conceito de Bourdieu pra tudo) é distinta e, portanto, as atitudes homofóbicas nos estádios tem outra conotação". Mas é só imaginação! Sempre me chamou a atenção a forma como, no interior dos esportes - e consequentemente nos estudos sobre o tema -, haviam patamares de repugnância distintos a manifestações de cunho racista e àquelas de caráter homofóbico. A última sendo entendida como mais branda, algo como uma brincadeira. Valeria lembrar que, o próprio racismo, durante muito tempo, se perpetrou com vigor nas sutilizas das "piadinhas", um ser/não ser que, utilizando-se da licença humorística, reforçava hierarquias e segregava. Um preconceito que não ousa dizer seu nome, escondido atrás da cortina de fumaça dos jogos linguísticos.
A criação da Galo Queer, que já conta com mais de 5.000 likes, é uma prova da viabilidade - e do sucesso - da iniciativa. Criada por uma cientista social mineira, a página no Facebook da Galo Queer tem atraído a atenção de milhares de pessoas, sua proposta, romper com o sexismo e a homofobia, coloca contra a parede uma série de práticas e discursos legitimados nos estádios de futebol. Além de mensagens de incentivo ao Atlético Mineiro e críticas aos preconceitos de gênero, a página tem publicado artigos que abordam algumas histórias e trajetórias de atletas homossexuais, como Justin Fashanu e Jason Collins, além de casos envolvendo preconceito, como o da não convocação de Reinaldo para a Copa do Mundo de 1982. Embalados no sucesso da Galo Queer, outras torcidas resolveram embarcar na ideia. Entre outras, temos as páginas Palmeiras Livre (1.152 likes), Corinthians Livre (com 1.706 likes), Timbu Queer (118 likes), Cruzeiro Maria (407 likes), E C Bahia Livre (413 likes), QUEERlorado (980 likes), Flamengo Livre (382 likes), em Curitiba já existem o Coxa - Sem homofobia (44 likes) e Furacão - Sem homofobia (125 likes). Com o mesmo objetivo, em 14 abril, surgiu a Bambi Tricolor (810 likes). É... a história, malandra que só ela, teima em passar a perna naqueles que ousam duvidar de suas múltiplas possibilidades. Escrevo na tarde de domingo (05/05/2013), a cada atualização no Facebook novas pessoas aderem à causa de um futebol sem preconceitos. Longa vida às torcidas queer!