segunda-feira, 13 de maio de 2013




O FUTEBOL COMO TEMA E LINGUAGEM EM CARLOS LATUFF

por Jhonatan Souza, mestrando em História-UFPR

"A função do artista é violentar". A frase de Glauber Rocha, situada na margem superior do blog do cartunista carioca Carlos Latuff (http://latuffcartoons.wordpress.com/), cumpre com louvor o papel da epígrafe, apresentando, em poucas palavras, o ponto de partida de sua obra engajada. 

Entrei em contato com a obra de Latuff - algo entre 2009 e 2010 - quando cursava a graduação em história na Universidade Estadual de Maringá (UEM) por ocasião de uma palestra proferida pelo artista durante um congresso de história realizado naquela instituição. Lembro bem do clima que antecedeu a conferência. Segundo os boatos que circulavam nos corredores e sacadas do G34 - bloco de história - tratava-se de alguém importante, um cartunista que colaborava com os zapatistas, defensor da causa palestina, que havia conquistado o segundo lugar em um concurso promovido pela Casa de Caricatura do Irã, organizado em reposta às charges do profeta Maomé que, àquela altura, circulavam pela imprensa europeia, motivando diversos protestos ao redor do mundo. 

Em sua passagem pela UEM, além de uma palestra muito elucidativa e divertida - coisa rara na academia - sobre a relação entre arte e política, o cartunista deixou sua marca em diversos espaços da universidade, como o centro acadêmico de filosofia e o de ciências sociais. Tempos depois, Latuff voltaria a produzir cartuns para o movimento estudantil de Maringá, colaborando, sempre que solicitado, com as lutas travadas na região. Da Palestina a Maringá, de Porto Alegre ao México, do Rio de Janeiro à França e de lá para outros tantos lugares. Essa foi a imagem que guardei de sua obra, uma militância sem fronteira e de múltiplas escalas, oscilando entre o regional e o global com propriedade e energia. Transitar entre tantos espaços, culturas e em defesa de diferentes causas, deve exigir um esforço enorme para que a comunicação tenha efeito, para que o enunciatário compreenda a mensagem. Uma pergunta povoava minhas reflexões: Como ser global? Como construir um cartum que tenha efeito e seja inteligível em diversos pontos do planeta? 

Um primeiro artifício parece ter sido o emprego do inglês, utilizado em boa parte de sua obra voltada a temas internacionais, e mesmo em alguns nacionais, mas de impacto e apelo internacionais. Outro artifício, menos evidente, e que gostaria de chamar a atenção nesse texto, é a utilização da linguagem do futebol - e dos esportes em geral - em sua obra. Uma linguagem que, desde fins do século XIX e o advento do XX tem se expandido progressivamente, tocando os mais distintos pontos do globo. No meu entender, em Latuff, temos um exemplo interessante do poder comunicativo dos esportes. Algumas metáforas, como o "cartão vermelho" indicando expulsão ou negação, o "gol" representando a vitória e a euforia, a "bandeira levantada" do árbitro auxiliar, indicando o impedimento ou nulidade da jogada/ação, entre outras, são mobilizadas diversas vezes em sua produção. A eficácia desses cartuns, utilizados por manifestantes em todo o mundo que imprimem cartazes com os desenhos, utilizando-os como arma de protesto, dão-nos indícios suficientes do elevado poder comunicativo dessa linguagem.


  

Esse artifício não se restringe ao universo simbólico do futebol, comumente a linguagem respectiva a outros esportes é igualmente mobilizada por Latuff. Nesse sentido, a lógica do xadrez pode servir de metáfora para pensar a realidade da União Europeia e as intervenções do governo alemão na política grega, por meio de seus "peões". O rompimento da fita - substituída pela corrente - que nas maratonas evoca a vitória, pode representar a liberdade para os fugitivos do Bahrein. A figura do árbitro de boxe, passa a ser ocupada por um representante da Suprema Corte uruguaia, afim de simbolizar que o afastamento da juíza Mariana Mota da vara penal - reconhecida por sua atuação em causas contra militares e civis envolvidos em crimes durante a ditadura naquele país -, se configuraria em uma proteção aos criminosos que agiram em nome do Estado durante a ditadura. Os movimentos do golfe representam as relações de poder na Birmânia e o revezamento com bastão (coquetel molotov) é utilizado para pensar as formas de resistência dos palestinos à ocupação de Israel. Poderíamos arrolar outros tantos exemplos de utilização da linguagem esportiva nos cartuns de Latuff para tratar de temáticas variadas envolvendo múltiplas realidades de exploração. 





DSCN2826






O próprio esporte, dessa vez enquanto tema, aparece frequentemente na obra de Latuff. Os megaeventos esportivos, e seus impactos nas camadas pobres das populações de cidades-sede, tem merecido o olhar atento do cartunista. O que, aliás, já lhe rendeu uma passagem pela polícia, por ocasião das críticas feitas durante os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro em 2007. Latuff tem produzido dezenas de cartuns abordando os "preparativos" (e, claro, as desapropriações, especulação imobiliária e desrespeitos a direitos fundamentais que andam de mãos dadas com os tais "preparativos") para as Olimpíadas de 2016 e a Copa do Mundo de Futebol de 2014. Algumas dessas obras, como a recente série sobre a desapropriação da Aldeia Maracanã, tem ganhado repercussão internacional. A insistência da FIA (Federação Internacional de Automobilismo) na realização do Grande Prêmio do Bahrein, também estimulou outro conjunto significativo de cartuns, alguns propondo o boicote do evento. Além das "séries", existem ainda outras produções mais pontuais, como cartuns para a campanha "Fora Ricardo Teixeira!", outro abordando a negociação por Ronaldinho Gaúcho, ou ainda uma critica à postura da UEFA quanto às seleções de Israel e da Palestina. 
Tatu Bola Porto Alegre Brigada


Formula One in Bahrain

 

Contudo, nem só de criticas é feita a relação de Latuff com o futebol. Algumas obras, mesmo que pontuais, apontam em sentido oposto. Desse modo, uma charge de 2009 opõe ao Estado, e seu braço armado, uma criança negra com uma bola de futebol na mão. O homem branco de terno, postado atrás de um muro que separa a periferia - com suas pequenas casas amontoadas nos morros - da zona sul do Rio de Janeiro, representada pelo Pão de Açúcar, o bondinho e a asa-delta - esporte praticado, eminentemente, pelas camadas médias e altas da sociedade - aponta sua arma para a criança sem camisa que jogava futebol na rua. Nessa charge o futebol ganha outro sentido, passando a representar um aspecto cultural e lúdico das classes populares. Futebol popular este, que seria barrado no Maracanã da Copa do Mundo de 2014, como representado em outra charge, esta de 2011. 




Outras charges ainda celebram feitos esportivos, como a vitória do Corinthians sobre o Boca Juniors na Copa Libertadores de 2012, ou o recente tricampeonato Gaúcho do Internacional de Porto Alegre. Completando o panorama, homenagens a ex-jogadores como Sócrates e a locutores esportivos e radialistas, dividem espaço com cartuns de cunho eminentemente políticos (a maior parte de sua obra). Em alguns desses cartuns, política e futebol se unem de forma emblemática, é o caso das homenagens que o cartunista prestou à torcida organizada do Al-Ahly Sporting Club do Cairo, a UA07 - que cumpriu papel importante no processo de deposição de Hosni Mubarak no Egito - após os assassinatos com motivações políticas no estádio de Port Said.
Inter tri campeao estadual




Obs: Os cartuns de Carlos Latuff podem ser encontrados em seu blog (http://latuffcartoons.wordpress.com/), na página do Facebook "Latuff Brasil" (http://www.facebook.com/profile.php?id=100004256466943&fref=ts), em portais como o Opera Mundi e o Sul21, ou ainda nas mão de diversos manifestantes ao redor do mundo.