sexta-feira, 19 de julho de 2013

Blatter diz que Brasil pode ter sido uma escolha errada como sede da Copa

Do UOL, em São Paulo – 17/07/201316h30


O presidente da Fifa, Joseph Blatter, afirmou em entrevista à agência DPA nesta quarta-feira que o Brasil pode ter sido uma escolha errada para ser sede da Copa do Mundo de 2014 por conta dos recentes protestos contra a realização do torneio durante a Copa das Confederações, no mês passado. 

O dirigente disse à agência alemã que "se acontecer novamente, nós teremos que questionar se tomamos uma decisão errada ao escolher o país como sede" e que a Fifa não tem nada para aprender com os protestos, mas sim os políticos brasileiros. 

"Nós não temos nada que aprender com os protestos, mas os políticos do Brasil sim", analisou Blatter, que entende que "a Fifa não pode ser responsabilizada" pela desigualdade social no Brasil. 

As declarações foram dadas em um congresso sobre esporte, mídia e economia organizado por Franz Beckenbauer na Áustria e o dirigente afirmou que retomará o assunto em encontro com a presidente Dilma Rousseff em setembro. 

Milhares de pessoas tomaram as ruas durante a realização dos jogos da Copa das Confederações para questionar os gastos governamentais para a construção de estádios e criticar a falta de investimento em outras áreas, principalmente saúde e educação.

Cidades como Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador e Rio de Janeiro foram os principais palcos das manifestações, que muitas vezes acabavam em atos de vandalismo e conflitos entre ativistas e policiais. A rotina dos membros da organização da Copa das Confederações chegou a ser alterada por conta dos acontecimentos.

Brasília, palco apenas do jogo de abertura da competição entre Brasil e Japão, também recebeu um violento protesto.

"Creio que esses protestos foram sinais de alerta para o governo, o Senado e a Câmara. Devemtrabalhar para que isto não volte a acontecer. Ainda que haja protestos, se forem pacíficos, é parte da democracia e têm de ser aceitos. Estamos convencidos de que o governo e, especialmente a presidente, encontrarão as palavras e ações para evitar. Há ainda um ano", avisou.

A entidade que organiza a Copa do Mundo já demonstrou seu descontentamento com os protestos logo após o fim da Copa das Confederações. Blatter disse que "a realização da Copa do Mundo não deveria ser perturbada no próximo ano." 

"Não foi uma reunião política, mas sim enfatizamos o tema da instabilidade social que houve durante toda a Copa das Confederações. O governo já sabe que não deve haver novos distúrbios no Mundial do próximo ano", disse. 


Acesso em 18.07.2013.

Sugestão e comentário de Luiz Carlos Ribeiro.

Algumas observações

O que Blatter sabe, mas não tem interesse em comentar, é que a mundialização do futebol tem ônus e bônus. O que a realização da Copa mostrou de perto para os brasileiros – e estes estão repercutindo para o resto do mundo - é que as modernizações capitalistas – nelas inclusa a chamada espetacularização do futebol – são sempre "pelo alto" e “excludentes".

E a exclusão – isso fica cada vez mais claro – não é apenas de ordem econômica e em relação aos mais pobres. A indignação da classe média, no Brasil, coloca a corrupção e a falência das instituições (governo, partidos, sindicatos, etc) também como fatores da exclusão dos direitos clássicos e burgueses de cidadania.

O que o Blatter sabe, mas obviamente não tem interesse em dizer, é que a FIFA é uma das entidades que melhor representa a corrupção e a falência das instituições no mundo globalizado. Enquanto o futebol (e a FIFA) era marginal e exclusivo de alguns machos beberrões esse fato pode ficar invisível. Agora a FIFA e toda a sua corrupção estão no palco global e midiatizado. Tornou-se mundialmente visível.

Não por acaso a sede da FIFA encontra-se em Zurique na Suíça, paraíso fiscal de lavagem das altas finanças mundiais. A FIFA está lá junto com toda a lavagem de dinheiro do capitalismo internacional, aí inclusos traficantes (de droga e de pessoas), ditadores e empresários corruptos, e até mesmo o dinheiro do terrorismo internacional.

O deboche institucional das entidades máximas do futebol com a desigualdade global, manifesto no enriquecimento ilícito de seus dirigentes e no “padrão FIFA” de explorar incautos, apenas acendeu a ponta do pavio num Brasil esgotado de mentiras.

A grande preocupação é para onde isso leva. Com certeza teremos problemas em 2014 e não adiantam arranjos populistas de última hora ou mais militarização no controle da ordem social. E a direita e a esquerda (lembram-se dessas referências?) não têm respostas para essas desordens globais.

Essa anomia intelectual e política nós experimentamos no tenentismo dos anos ’20 e nas marchas a favor e contra as reformas de base, nos anos ’60.

Desse modo, não dá para apostar de forma ingênua que apenas caminhando e cantando e seguindo a canção nós possamos mudar o país. Precisamos fazê-lo, mas ao mesmo tempo temos de construir algo que, por precisar ser sólido, não se faz de uma hora para outra.

Democracia de última hora é populismo, e populismo é o prato preferido das ditaduras, de esquerda e de direita.

Cantar o hino nacional à capela durante os jogos da seleção não é ato de nacionalismo, nem de revolta, mas expressão de impotência associada à vontade de fazer diferente.

Logo, nosso problema não é fazer uma boa Copa ou nos preocuparmos se o Blatter está satisfeito conosco ou não. Nosso problema é construir um país democrático e justo, o que implica acabar com a corrupção enraizada em nossa cultura.