segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Crônica da semana - por Ernesto Marczal

Com a eliminação, ainda na primeira fase, na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, o futebol brasileiro passou por uma crise de paradigmas quanto ao seu estilo de jogo, representado, na mentalidade corrente, sob o modelo denominado como futebol-arte. Diante do impasse do momento, técnicos, dirigentes, preparadores físicos, jornalistas e outros especialistas discutiam os melhores caminhos para o desenvolvimento adequado do futebol nacional sob moldes considerados modernos.
Elucidando este debate propomos a leitura do artigo de Zezé Moreira, ex-treinados do escrete nacional entre 1952 e 1956. O texto em questão foi publicado no livro Na Bôca do Túnel, de 1968. A obra reúne a opinião de vários especialistas, analisando e discutindo questões técnicas e táticas diversas, servido como forma de resposta as questões impostas ao futebol brasileiro no conturbado cenário do período.
Embora uma grande lacuna temporal se interponha entre o contexto de produção do artigo e os dilemas atuais do esporte, é interessante constatar que muitas de suas colocações são ainda recorrentes nos debates cotidianos sobre o futebol no Brasil.   
   
FUTEBOL-FÔRÇA E FUTEBOL-ARTE

Zezé Moreira

O futebol praticado pelo Brasil e por alguns países principalmente a Argentina, Uruguai, Chile e Hungria não é o bastante para se disputar uma Copa do Mundo. Os europeus, como é de conhecimento de todos, estão aplicando o futebol-força e vêm obtendo excelentes resultados. É bom explicar que o futebol praticado pelos europeus consiste em fôrçavelocidade e resistência. Êles treinam seus jogadores de maneira a mais apurada, a fim de conseguirem uma boa explosão. Sabemos que a velocidade numa jogada, com o emprêgo da fôrça e resistência, constituem o ideal, para qualquer time de futebol. Assim, estes três elementos: fôrça, velocidade e resistência constituem a base para o atual futebol da Europa. Aliás, para os jogos de uma Copa do Mundo, representa o ideal por diversos motivos, que todos sabem e conhecem. Aqui no Brasil  podemos praticar o futebol-fôrça, mas acontece que quase ninguém o aceita ou mesmo o admite.
Por que o futebol húngaro, apesar de estar entre os europeus que praticam o futebol-fôrça, não disputa  de igual  para igual com os demais?
Simplesmente porque o futebol-arte praticado pelos húngaros não oferece boa resistência frente ao futebol-fôrça.
O futebol força na requer muita beleza, não requer firulas, não requer jôgo acadêmico, mas sim procura um objetivo maior, que é disputar o lance com disposição e partir célere para as conclusões. Para a disputa de uma Copa do Mundo o ideal é o emprego do futebol-força. Alias é bom  explicar melhor: antigamente, uma Copa do Mundo era uma disputa esportiva, ganhava o melhor e não havia grandes problemas. No final da competição, rendiam-se homenagens ao vencedor. Qualquer que fosse o vencedor, o fato era motivo de satisfação geral. Os perdedores voltavam e procuravam treinar melhor, conformados, com vistas a outra Copa. Mas, hoje em dia, a coisa é muito diferente. Uma Copa do mundo significa outros interesses. È uma questão de honra para um país levantar o título. Os europeus não se conformaram e não se conformarão em perder uma Copa do Mundo. Êles ficaram contrariados em 1950, quando o Uruguai levantou o título, e muito mais quando o Brasil foi bi-campeão, vencendo em 1958, na Suécia e, 1962, no Chile.
De outro lado, o europeu descobriu a pólvora, quando o Brasil venceu duas vezes com o emprego do futebol-arte. Como êles não podem igualar o futebol no mesmo sistema, empregaram um outro, que todos conhecem como o futebol-força.
Agora as equipes européias, com exceção da Hungria, estão praticando, e muito bem, este estilo de jogo.
Em 1966, nos apresentamos no Campeonato Mundial com o mesmo futebol praticado em 58 e 62 e por isso não conseguimos bom resultado. Não só o Brasil, como também outros países. Uma coisa precisa ser bem esclarecida. O futebol- força não é brutalidade, não é violência, mas simplesmente muita luta, muito combate. Não só velocidade nas jogadas, com a bola rolando o mais depressa possível ou mesmo a velocidade com o homem com a bola. È ainda rapidez nos lances, deslocamentos rápidos, espírito de luta, de equipe, de conjunto. Muita luta mesmo. Tudo isso aliado a um excelente preparo físico e técnico.
O Brasil e demais países que estão praticando ainda o futebol-arte podem aspirar alguma coisa numa Copa do Mundo, mas têm que se ajustar ao novo estilo. Temos de modificar os métodos para fazer frente ao futebol que os europeus estão praticando.
Dificilmente um país levantará uma Copa do mundo praticando o futebol-arte, pois existe já uma arma para neutralizá-lo.
Um outro fator de grande importância é a arbitragem. No Brasil, principalmente, temos arbitragens frágeis. Ao invés de trazermos juízes estrangeiros para estagiar no Brasil, deveríamos mandar os nossos para que vissem, aprendessem, observassem como se pratica o futebol lá fora e como agem os juízes locais. Isto seria de grande valia, pois de volta, êles aplicariam no Brasil o que aprendessem. E isso significa um passo á frente n aprendizagem dos nossos técnicos, jogadores e demais desportistas.
Outra medida consiste em tarimbar o jogador brasileiro. nossos times de nossas seleções precisam jogar muito no exterior. Antes de 1958 e de 1962, fizemos muito isto.
Esta e outras medidas têm de ser adotadas para dar mais cancha, não só aos jogadores, como a juízes, médicos, dirigentes, treinadores, etc.
Nós, que gostamos muito de inovações, precisamos jogar no exterior para adquirirmos tarimba, pois na próxima Copa do Mundo aquêle que não se tiver ajustado convenientemente está fadado ao fracasso.
Atualmente, há muitos fatôres a considerar, numa Copa do Mundo. Principalmente isto: a próxima Copa será Europa contra América do Sul. Haverá a questão de prestígio. O sentido patriótico. O lado financeiro. E outros aspectos que não eram levados em conta antes de 1958 e 1962.
O europeu leva a sério os preparativos e o planejamento para as disputas internacionais, principalmente de uma Copa em que estão em jogo os diversos aspectos de grande importância para os países disputantes.
È bem verdade que o futebol-arte não acabou e não deve acabar. Êle pode ser praticado em campeonatos regionais e até em campeonatos internacionais de pouca expressão. Mas numa competição de grande expressão como a Copa do Mundo, o futebol-arte perderá sempre para o futebol-fôrça.
Vejamos um exemplo: antigamente disputávamos o Torneio Rio-São Paulo, que tinha uma certa expressão. Com o passar dos anos, este torneio foi tomando um vulto enorme. Hoje, outros times de outros centros já estão participando da competição, que tem outro nome: “Roberto Gomes Pedrosa” ou, simplesmente, Robertão. Foi o torneio que se transformou devido o fato de ter adquirido expressão. Os interêsses são outros. Todos o querem disputar. Os clubes que participam do torneio querem vencê-lo à fôrça. Criou-se outra mentalidade entre os dirigentes, que organizam o torneio, entre os clubes que nêle tomam parte. E a evolução, o progresso.
Assim também evoluiu – e muito – a Copa do Mundo. Tomou um vulto extraordinário. O futebol é um esporte divulgado  e praticado em toda parte. O principal Campeonato Mundial está sendo jogado de quatro em quatro anos. O vencedor de uma Copa tem lucros financeiros e aufere dessa vitória benefícios incalculáveis. Por estas e outras razões, criou-se nova mentalidade em torno dela.
Vendo que era incapaz de vencer o futebol-arte, que constituiu para ele surpresa em 58 e 62, o europeu passou a usar o futebol-força. Isso deu certo, ele pode vencer, pois não encontra resistência no futebol-arte.
Por isso, repito: o Brasil, assim como outros países que desejarem sucesso em disputas internacionais, têm de ajustar a sua maneira de jogar aos novos tempos, e de adotar o futebol-fôrça.

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