terça-feira, 2 de novembro de 2010

Crônica da semana


Este colorido não pegou!
Amanda Jorge Corrêa*
*Acadêmica do curso de Educação Física- bacharelado UFPR

Não fora em homenagem às bandas coloridas que estão emergindo na cultura de massa hodierna que um padre holandês resolveu decorar sua igreja de laranja. Ora, o fato, por mais inusitado que pareça ser, é verídico e tem um fundo cômico apesar das consequências que o arrebatado religioso teve de assumir, quando sua paixão pelo futebol excedeu às paixões pela fé – mais do que blasfêmia para a religião, seria completamente reprovável pelo senhor Deus.
Em reportagem de julho deste ano, divulgada pela BBC Brasil, um padre holandês decorou a sua igreja da mesma cor que o time da seleção do referido país, visando comemorar uma missa em homenagem à participação da Holanda na final da Copa da África do Sul. Não bastasse a decoração local, nosso humilde sacerdote-torcedor ainda simulou “um jogo de futebol dentro da igreja e, atuando como goleiro, pegou um pênalti cobrado por um fiel”, segundo divulga a notícia no site.
Apesar de tão calorosa demonstração de devoção pelo time, a seleção perdera e ficou com o segundo lugar na classificação geral. A cerimônia religiosa não influenciou o placar, tampouco sublevou o time ao patamar dourado. Muito pelo contrário, o presbítero foi afastado de sua função e, segundo seus superiores hierárquicos da instituição católica, que foram categóricos: este passará por um “período de reflexão”. Para nós, independente da punição que o fiel instrumento divino recebeu, importa a sua reação como fanático pelo futebol, que, diante de tal felicidade que lhe inundava o ser, pela notícia de que o país estava na final da Copa do Mundo, redecorou o estabelecimento de trabalho. Trabalho este que leva secularmente tradições sacras arraigadas em sua doutrina constituinte e que o menor impasse de atitude impensável faz-se banalizar as abissais estruturas da fé católica, e, portanto, o padre, enquanto entusiasmado torcedor, teve de ser repreendido pela inconsequente atitude de orar pela preferência divina à seleção do seu país. Digamos o que se tem por ditado vulgar, “o tiro saiu pela culatra”.
Ora, seja por paixão da alma – do que, afinal, o sacerdócio não está isento –, ou para clamar por atenção dos fiéis, ou simples simpatia para com os sentimentos destes por sua seleção, o padre resolveu comemorar a sua missa. Mas por que este, que dentre tantos outros que traspassaram por esta profissão como mero servidor da fé, extravasou com tamanho show a sua paixão de torcedor, cometendo a “incorreta” postura ética de promover o favorecimento de um (seu time) em detrimento do outro (time adversário) aos olhos de Deus? Claro está que o fenômeno do desporto do futebol provoca emoções e ações irascíveis e incompreensíveis, que a nós basta tentar mapear, perscrutar e inferir as causas. Mas os escárnios da razão, pelos quais muitas pessoas agem de forma descontrolada, não apenas neste caso, como também as muito divulgadas situações de violência entre torcidas de futebol, encontram-se longe de nossa alçada. Para finalizar a aziaga reflexão, valho-me de questões antigas que permeiam a pesquisa da paixão das pessoas pelo futebol: qual é o diálogo entre desporto e torcedor que propicia que elas – além de sentirem-se especialistas na área (qualquer pessoa faz juízos de valor para a atuação do juiz, ou a opção de escalação dos jogadores tomada pelo técnico, à tática praticada pelo time, entre outros) e darem por aí com suas formulações, bem fundamentadas ou não, a respeito do que ocorre dentro do campo – expressem excessos como no caso citado?

4 comentários:

  1. André Alexandre Guimarães Couto2 de novembro de 2010 às 21:52

    Cara Amanda:

    A notícia é realmente bem curiosa, mas não surpreende tanto. Aqui no Brasil temos, volta e meia, padres abençoando times de futebol antes de grandes jogos. Padre Marcelo Rossi com o Corinthians, Igreja de São Judas Tadeu para o Flamengo, etc. O que move estes sacerdotes ao misturarem a fé religiosa com a idolatria (?) do futebol? Poderia dizer que o marketing junto aos fiéis seria um bom motivo. Mas, isto seria cinismo demais de minha parte. Outras questões poderiam estar envolvidas, como o próprio gosto pelo esporte e pela necessidade de interação da Igreja com a sociedade, em todos os seus vieses. Basta ter fé e acreditar...

    Um abraço,

    André Alexandre Guimarães Couto

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  2. O André Couto tem razão e levanta um ponto importante: em que medida a religião pode (e deve) influir em assuntos diversos. No caso do futebol, as consequências não são tão graves. Mas quando o papa faz exigências que podem influir diretamente nas políticas públicas do país é, no mínimo, uma imprudência. Como Serra e Dilma se submeteram as vontades do pontífice para não perder votos católicos, os avanços nas pesquisas com células troncos e a união civil de pessoas do mesmo sexo foram questões prorrogadas ao menos por mais 4 anos. Na minha opinião, retrocesso lamentável, pois o Estado deve ser pautado em princípios laicos.

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  3. Concordo com o comentário do André Couto em relação a aproximação Igreja/ sociedade, tanto, que não deixei de tecer algum comentário a respeito "para chamar por atenção dos fiéis".
    Quanto a pergunta sobre a idolatria do futebol e fé religiosa, tenho cá para mim o exemplo da crônica primeira que publiquei, versando a respeito do uso da linguagem metafórica que o futebol propicia, por parte do nosso presidente, ora não teria o mesmo sentido, aproximação direta com seus eleitores/ fiéis numa linguagem que faz parte do senso comum do povo brasileiro?

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  4. André Capraro, não esqueçamos que a Instituição da Igreja Católica carrega uma história secular de intervenção social e que principalmente assuntos políticos ela destina-se,e, que portanto, um Estado isento de influências em suas decisões por parte da religião vem sendo buscado desde o século XVII, no entanto, ainda vê- se claramente que tal não ocorre, como em seu exemplo.

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