domingo, 11 de setembro de 2011

Crônica da Semana

Sócrates Brasileiro

por Natasha Santos

Nos últimos dias, o assunto comum nas notas esportivas, dos principais sites de notícia, é o estado de saúde de um dos maiores craques brasileiros – Sócrates. O ex-jogador, que sofre de cirrose, foi acometido de hemorragias no estômago e segue numa UTI ainda entubado, porém em situação mais estável. Mas sobre isso, todo o mundo já deve saber.

Particularmente, não costumo refletir sobre craques que nunca vi jogar, em tempo real. (E, para falar a verdade, ultimamente, minhas reflexões futebolísticas estão voltadas para a tragédia quase épica, que ronda o Atlético Paranaense... Mas esta é outra história.) Como que por uma dessas ironias tolas, segundo as quais as pessoas são mais enaltecidas e lembradas quando caminham para o encontro com a morte, retomo a doença, pelo fato de que, graças a essa desagradável recorrência de Sócrates na mídia, iniciei uma reflexão sobre o perfil do jogador de futebol.

Em um conto de 1952, da coluna A Vida Como Ela É..., por dez anos publicada diariamente no jornal Última Hora, Nelson Rodrigues aborda o preconceito com a profissão de jogador de futebol. A história se refere a uma família que só aceitou o namoro da filha com um goleiro, porque esta ameaçara fugir de casa, caso fosse proibida de ver o rapaz. Os pais queriam que a filha se casasse com um doutor e temiam que a profissão da bola não rendesse o suficiente para o sustento de uma casa. Ora, logicamente, Nelson se refere a uma época em que jogar futebol, profissionalmente, carregava um status nada positivo, sobretudo sob o viés financeiro pouco favorável aos atletas, cuja instabilidade ainda soava um tanto amadora.

Pois bem, beneficiemos com anacronismo a literatura. Ainda hoje, com salários inimaginavelmente altos, o jogador de futebol sofre o preconceito. Sim, meus caros.
Estou falando do preconceito intelectual.
Ora, o jogador carrega o estigma de ser pouco inteligente, sobretudo pelo fato de, via regra, preterir a escola pelo treino, o que acaba sendo confirmado pelas pérolas que surgem em entrevistas, que, de tão absurdas, parecem algum tipo de brincadeira.
Mas não são. O pequeno incentivo à educação vem dos clubes maiores e é questionável, haja vista a quase impossível missão de aliar treino e estudo, contando ainda com o (des)interesse pela escola por parte do menino que quer ser craque. Essa inversão de valores acaba justificada por meio da carreira bem-sucedida. O problema é que, tendoem vista a demanda de garotos, ganhar dinheiro no futebol é como comprar um bilhete premiado. Trata-se da triste lógica de que tentar ficar rico, por meios incertos, é mais eficiente do que se preparar para um futuro no mundo dos mortais, caso o plano não dê certo.

Sócrates que, além de “invendável, inegociável e imprestável”, como diria Vicente Matheus, formou-se em Medicina e era engajado politicamente, assumindo um importante papel na democracia corinthiana, bem como participando do movimento “Diretas já”. Não quero aqui dizer que partidários da esquerda são automaticamente seres superiores, mas que o posicionamento político, por si só, é uma das características que denota a capacidade de discernir. Também não quero dizer que a graduação em Medicina seja a salvação da intelectualidade, mas, aqui ela representa o fato de Sócrates ter estudado. 
Enfim. Estamos falando de um médico jogador de futebol.
Curioso. Curiosíssimo.
O eterno ídolo do Corinthians só jogou futebol pra valer depois de formado.
Nunca foi campeão do mundo, mas foi um dos maiores Camisa 8 que a seleção brasileira já teve, atuando no elenco da seleção de 1982 que, apesar de derrotada pela Itália, é o símbolo de um provável resgate do futebol-arte de 70.

Sabemos que Sócrates jogou em um período anterior ao futebol-espetáculo e, como ele mesmo afirma, contou com o apoio dos pais, no que se refere ao estudo, mas será que não é possível reverter essa burrice crônica que acomete o jogador de futebol?
 Nesse sentido, Sócrates Brasileiro é muito mais do que um craque: é um craque que deixou o futebol pra depois.

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