O belíssimo vídeo do canal 100 sobre o Botafogo e o Garrincha, postado pelo André, conta com duas crônicas mescladas de Nelson Rodrigues. As crônicas são ”Os que negam Garrincha” (1966) e “Um Gesto de Amor” (1968) e se encontram no livro À sombra das chuteiras imortais, respectivamente nas páginas 119 e 137. Leia na íntegra a crônica do Nelson, como se encontra no vídeo:
Vocês se lembram de Charlie Chaplin, em Luzes da ribalta, fazendo o número das pulgas amestradas? Pois bem, Mané deu-nos um alto momento chapliniano. E o efeito foi uma bomba. Na primeira bola que recebeu, já o povo começou a rir. Aí é que está o milagre: — o povo ria antes da jogada, da graça, da pirueta. Ria adivinhando que Garrincha ia fazer a sua grande ária, como na ópera.
Como se sabe, só o jogador medíocre faz futebol de primeira. O craque, o virtuose, o estilista, prende a bola. Sim, ele cultiva a bola como uma orquídea de luxo. Foi uma das jogadas mais histriônicas de toda a vida de Mané. Primeiro, pulou por cima da bola. Fez que ia mas não foi. Pula pra lá, pra cá, com a delirante agilidade de 58. Lá estava a bola, imóvel, impassível, submissa ao gênio. E Garrincha só faltou plantar bananeiras.
Esse rapaz da Raiz da Serra compensou-nos de todas as nossas humilhações pessoais e coletivas. Vocês sabem que, do nosso lábio, sempre pendeu a baba elástica e bovina da humildade. Em 58, ou 62, o mais indigente dos brasileiros pôde tecer a sua fantasia de onipotência. E, por tudo isso, as multidões, sem que ninguém pedisse, e sem que ninguém lembrasse, as massas derrubaram os portões. E ofereceram a Mané Garrincha uma festa de amor, como não houve igual, nunca, assim na terra como no céu.
Esses poucos mais de três minutos dizem muito mais de Garrincha e do futebol, do que o clássico do Cinema Novo, “Garrincha, Alegria do Povo” (1963) de Joaquim Pereira de Andrade. Onde havia paixão os intelectuais do Cinema Novo viram alienação. E aí não conseguiram nem amar nem entender o futebol.
Extraordinario,fascinante essa cronica de Nelson Rodrigues. Fiquei muito emocionante de ouvir isto. Foi o otimo homenagem sobre Mane Garrincha que poderia ser escrito. Obrigado Senhor Nelson Rodrigues!
ResponderExcluirAbracos forte
Dominique Beaucant
Nova Iorque
Domingo dia 19 de Fevereiro do ano 2012