quinta-feira, 7 de março de 2013

Impactos de Chávez no futebol venezuelano - diferentes perspectivas

Texto 1:



País do beisebol, Venezuela se curva ao futebol

Aliando investimentos e boa safra de jogadores, seleção cavou seu espaço no coração dos venezuelanos.


“Quem é Neymar?”, pergunta Jefferson Blanco, de 15 anos, morador do bairro caraquenho 23 de Enero – um dos mais pobres do país. “Ele é jogador da seleção do Brasil? Não conheço direito o time, mas posso te dizer quem são todos os jogadores da Vinhotinto”, responde sorridente o menino, que guarda certa semelhança física com o franzino jogador santista.

As paixões mudaram na Venezuela, como comprova Jefferson. Se antes o beisebol dominava preferências e os poucos amantes do futebol precisavam adotar uma segunda seleção, como a do Brasil, Espanha ou Itália, durante as Copas do Mundo, agora a Vinhotinto, como é carinhosamente chamada a equipe venezuelana, é sinônimo de orgulho e confiança. Gradativamente substitui o bastão pela bola nos campos venezuelanos. “Vamos ganhar do Brasil no próximo Mundial”, alerta Jefferson, sem soltar um riso sequer.

Antes tradicional saco de pancadas, a Vinhotinto virou febre nacional justamente pelos impressionantes resultados alcançados em tão pouco tempo. O principal momento, até hoje, foi o quarto lugar na Copa América de 2011, na Argentina. Chegou às quartas-de-final de final batendo o Chile, enquanto o Brasil tombava diante do Paraguai, que acabou se tornando também o algoz venezuelano na semifinal. Mesmo derrotados em sua tentativa de disputar a final do torneio, os jogadores da Venezuela foram recebidos como campeões em Caracas.

Para Nicolás “Miku” Fedor, de 26 anos, membro da seleção e jogador do Getafe, da Espanha, o momento-chave para a mudança no futebol venezuelano foi o 3 a 0 contra o Uruguai em 2004, nas eliminatórias para a Copa de 2006 – a partida ficou conhecida na Venezuela como o Centenariazo.

["Miku" Fedor, uma das estrelas da seleção venezuelana, joga no Getafe da Espanha]

“Nesse dia houve uma mudança de mentalidade, vimos que era possível ganhar desses times”, afirma o jogador.

Integrante desse grupo exitoso, o jogador venezuelano Rafael Acosta, de 23 anos, aponta o investimento no esporte como outro elemento fundamental para a evolução em campo.

“A percepção de que a Venezuela não tem força no futebol mudou. De oito anos para cá a qualidade cresceu muito, principalmente com as escolinhas de futebol. Agora se entende que o futebol vem das bases, das crianças”, explica.

“Miku” pontua que a profissionalização do futebol caminhou junto com o desenvolvimento econômico da Venezuela nos últimos anos. “O futebol acompanhou o crescimento de toda a sociedade. O esporte cresceu não só em nível internacional, como nacional. Isso porque a renda aumentou. Se um jogador, ou se qualquer trabalhador é bem pago, seu nível de trabalho e compromisso são muito maiores”, defende.

Beisebol x futebol

A empolgação com a seleção nacional contagiou até Hugo Chávez, um aficionado pelo beisebol, mas que frequentemente se manifesta durante os jogos por meio de sua conta no Twitter. Mas o presidente não está sozinho.

Uma pesquisa feita pelo Gis XXI (Grupo de Pesquisa Social Siglo XXI), em outubro de 2011, mostrou que é evidente o aumento do interesse dos venezuelanos pelo futebol, especialmente entre os mais jovens.

[Rafael Acosta: "A percepção de que a Venezuela não tem força no futebol mudou"]

Vinte e nove porcento deles afirmam que praticaram o esporte no último ano, enquanto o índice nacional foi de 17%. O beisebol ficou em segundo, com 15% das preferências dos jovens e 15% da fatia nacional.

Na mesma pesquisa, questionados se estavam “muito de acordo” ou somente “de acordo” com a frase “com o êxito da seleção nacional agora a Venezuela é Vinhotinto”, 95% dos jovens escolheram a primeira resposta, enquanto o montante nacional somou 89%.

Todavia, à pergunta “outros esportes viram moda, mas o beisebol é o esporte nacional da Venezuela”, 93% dos jovens responderam “muito de acordo” e todas as faixas etárias, 94%.

No entanto, na opinião de “Miku”, é questão de tempo para que o futebol se torne a paixão nacional número um. “Há mais crianças federadas em futebol do que em beisebol atualmente na Venezuela. A Federação Venezuelana de Futebol, os clubes e a própria sociedade têm um papel fundamental nisso”, destaca o jogador.

Na esteira dessa “febre”, a marca de material esportivo Adidas, responsável pelo uniforme da seleção, preparou uma campanha publicitária que aflorou as emoções na nação bolivariana. No filme, o primeiro feito para a Vinhotinto, uma criança viaja até o Brasil de ônibus e no percurso narra seu amor pela seleção canarinho, especialmente por Kaká. “Queria ser meio-campo como você, fazer os gols que você faz”, conta o menino.

Já maravilhado com as praias cariocas, ele diz a Kaká que todos os dias pratica para ser como ele: “você para sempre será o meu preferido”. Até que a declaração de amor vira um agradecimento – e uma despedida. Já em frente a uma casa, o menino retira sua camisa do Brasil e por baixo, está a da Venezuela. A antiga é colocada em uma carta de correio. “Você é o melhor, mas fico com as cores da minha verdadeira paixão”, se justifica.




Texto 2:

Hugo Chávez e o futebol na Venezuela


O beisebol é o esporte mais popular na Venezuela. É o que mobiliza a torcida, a mídia. É onde está a tradição e o orgulho esportivo venezuelano. Hugo Chávez não perderia a oportunidade de usar o esporte para projetar os feitos de seu governo, mas o beisebol não era o melhor caminho. Primeiro, porque já é um esporte estabelecido no país. Segundo, porque a influência da modalidade seria forte apenas nos Estados Unidos (onde ninguém daria bola para qualquer evolução que o governo chavista trouxesse ao esporte) e em Cuba (onde não seria necessário crescer no esporte para ter repercussão). O que restou ao presidente? Investir no esporte mais popular das Américas.

O futebol poderia mostrar para a América Latina os efeitos da linha de trabalho esportivo-social de seu governo. E aqui não cabe julgar se ela é boa ou ruim, positiva ou negativa, demagógica ou ideológica. Mas o futebol foi o alvo escolhido, pois teria repercussão nas nações que interessavam ao governo chavista mostrar seu trabalho.

Dentro de campo, dá para dizer que a virada venezuelana foi em 2001, quando a seleção arrancou na reta final das Eliminatórias e entrou em um patamar equivalente à dos demais países da América do Sul, onde está até hoje. Fora de campo, o ano da mudança foi 2007. Justamente o alvo do governo de Chávez.

O país estava definido como sede da Copa América. O governo deu tratamento de torneio de primeira linha. Foram investidos cerca de US$ 700 milhões em arenas, entre construção de três estádios e grande renovação em outros seis. Das nove arenas, apenas uma tem capacidade inferior a 35 mil torcedores.

As construções impressionaram por estarem muito acima do padrão normal da Copa América. O torneio foi bem sucedido em campo e, mesmo com a queda dos vinotintos já nas quartas de final, a média de público oficial foi de mais de 40 mil torcedores. Impulso suficiente para justificar a ampliação do Campeonato Venezuelano de dez para 18 times.

A partir daí, o futebol virou um esporte das massas na Venezuela, certo? Não tão cedo. De fato, o futebol se consolidou como a segunda modalidade mais popular entre os venezuelanos, mas nada minimamente compatível com a aposta realizada. A média de público seguiu baixa (muitos clubes não chegavam a mil torcedores), o que ficou ainda mais nítido em arenas gigantescas.

Muitos dos oito clubes clubes promovidos repentinamente não tinham estrutura financeira para manter os custos de uma equipe de primeira divisão. Outros já estavam estabelecidos, mas dentro de uma estrutura enxuta. Não tinham torcida para sustentar estádios de 40 mil lugares. Nesse cenário, vários clubes fecharam as portas e outros tiveram de contar com apoio da prefeitura para se sustentar (ou para manter os estádios). O caso mais evidente desse processo foi o Unión Maracaibo, finalista nas três edições do Campeonato Venezuelano anteriores à expansão de 2007 e que fechou as portas em 2011.

No geral, o projeto de Hugo Chávez com o futebol não trouxe os resultados esperados. A Venezuela cresceu no cenário internacional, mas isso se deveu muito mais ao trabalho de jogadores e técnicos do que ao investimento em infraestrutura. O trabalho extracampo não virou referência no continente. De qualquer forma, o país ficou com grandes estádios, que ainda esperam o momento em que o futebol realmente se tornará um esporte de massa no país. Deve demorar muito.

Fonte: http://trivela.uol.com.br/blog/ubiratanices/hugo-chavez-e-o-futebol-na-venezuela/



Sugestão e comentário de Jhonatan Souza.

A morte é uma festa, disse em outra ocasião João José Reis. Que a morte é mais que o fim da vida biológica, deveria ser uma obviedade pra quem tem a história como seu ofício. Não obstante, entre os historiadores dos esportes o tema é pouco explorado. Às vezes, a idolatria é tratada como mera construção midiática, desprezando o fato de se estudar - no caso do Brasil - uma sociedade de grande influência católica onde o ícone - já que os católicos rejeitem as acusações de idolatria - tem grande papel mobilizador. A morte é um dos momentos de construção do ídolo, do mito, do mártir, do ícone, etc. Nos esportes não é diferente! De fato, a morte levanta questões. De algum modo, morre-se biologicamente, mas, a morte social, cabe à sociedade decretar - ou não, no caso de algumas sociedades, como lembra Fustel de Coulanges em "A cidade antiga"). A inclinação a impor pontos finais é exterior ao morto, nesses momentos somos convidados a pensar sobre os saldos de uma trajetória, e pensamo-os por vários aspectos. A morte recente de Hugo Chávez tornou-se um desses momento profícuos de luta pela memória, onde, mesmo o mais treinado dos analistas, esquecem que o céu e o inferno são idealizações e tratam logo de criar deuses e demônios em interpretações rasteiras, não raro apaixonadas - lembrando aqui que ressentimento e ódio também são paixões. O caso venezuelano é especialmente interessante pela popularização do futebol durante o bolivarianismo, qual os saldos do governo Chávez nesse aspecto? Quem se atreverá a encerrar o texto com o ponto final, aquele que decreta o saldo/morte? 
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