quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Crônica da Semana

Dez anos do “Futebol e Sociedade” (2003-2013). O que fizemos o que precisamos fazer

pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Ribeiro, Departamento de História / UFPR






O Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade realizou, no último dia 24 de agosto, uma reunião de balanço e planejamento de atividades futuras. Toda vez que eu me encontro nessa situação de fazer um balanço das atividades do Núcleo, questiono-me se temos uma data simbólica de fundação do grupo.

Essa indefinição deve-se ao fato de que os estudos sobre futebol no Departamento de História da UFPR (que deram origem ao Núcleo) iniciaram-se de maneira ocasional e marginal. À época, apenas temas centrais e considerados relevantes pela academia, tais como história dos partidos, dos governos, das classes sociais ou das instituições, eram considerados. O meu gosto e envolvimento pessoal com o futebol começou a receber alguma conformação acadêmica a partir das participações – ao longo dos anos 90 – no Congresso de História do Esporte, então organizado por professores e alunos da pós-graduação da Unicamp, sob a liderança do Ademir Gebara. Dessas relações surgiu a minha primeira orientação, que foi a defesa de mestrado em 2002 do André Mendes Capraro, hoje doutor e professor da UFPR.

Apesar da relevância desse acontecimento, 2003 me parece mais simbólico como momento de formalização do Núcleo. No ano em questão, lançamos o primeiro número temático sobre futebol da revista História: Questões & Debates (“Esporte e sociedade” – vol. 29 jul-dez de 2003) e participamos da coordenação do primeiro simpósio temático sobre esportes no congresso nacional da ANPUH, no qual estamos até hoje. Apesar de em nenhum desses momentos o grupo aparecer como um núcleo formal, a sua existência era fato consolidada.

Desse modo, creio que 2003 pode ser considerada como a data simbólica de criação do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade, o que significa que completamos, em 2013, dez anos de existência.

Apontada uma solução para o enigma da fundação, a tarefa agora é atentar para as atribuições futuras. E, nesse sentido, há um cotidiano que deve ser mantido, que é cuidar das defesas das dissertações e teses, da conclusão dos projetos coletivos, fazermos uma agenda pessoal e coletiva de compromisso com publicações de qualidade, realizar e participar de eventos, entre outras.

A guisa de exemplo, cito o projeto coletivo que o Núcleo leva junto ao Arquivo Público do Estado do Paraná, de classificação de milhares de documentos do Conselho Regional de Desportos (CRD). Uma documentação produzida entre 1941 e 1985 e que se encontrava guardada e sem tratamento há mais de 30 anos.

Nossa tarefa, portanto, é a de ampliar o leque documental para o estudo histórico do futebol. Nesses estudos tem sido rica a exploração dos jornais, por exemplo, mas precisamos ampliar as nossas fontes, o que significa não apenas diversificar, mas também construir métodos para o seu tratamento e análise crítica. Assim como temos a obrigação de refinar o campo teórico, o que significa elaborar novas problemáticas e questões colocadas às fontes, mesmos as mais tradicionais. E refinar consiste tanto em trazer à cena novos autores, quanto não abrir mão da leitura crítica dos já conhecidos.

Cito como exemplo o que era muito corrente nos primórdios dos estudos sobre futebol – nos anos 1980/90 –, com os usos que se fez de autores como Elias ou Bourdieu. Apesar da ênfase dada por esses à autonomia do campo (Bourdieu) ou às indeterminações das configurações (Elias), não era incomum estudos do futebol reduzidos às estruturas fixas, tais como explicar o futebol pela ditadura Vargas (ou qualquer outro regime) ou mesmo reificar a mística (sem qualquer distanciamento crítico) de que o futebol, por que uma paixão nacional, explica o Brasil (Freyre, DaMatta).

Como já escrevi em algum artigo, um campo de estudo se consolida quando os pesquisadores definem os recortes cronológicos, selecionam as fontes, estabelecem conceitos e categorias, produzem referências historiográficas e constroem modelos explicadores, aceitando o risco salutar de ter de refazê-los. 

Reproduzir os estudos da história tradicional, sem relevar as especificidades do sistema futebolístico é corroborar com a desgastada ideia de que o estudo do futebol é irrelevante ou marginal. 

Em artigo recente, Pablo Alabarces observou que os estudos sobre futebol encontram-se saturados. Ele se referia ao contrassenso, entre os estudiosos do futebol, em reclamar da resistência do meio acadêmico em aceitar o tema, ao mesmo tempo em que se constata a grande quantidade de dissertações, teses e publicações produzidas. Referindo-me, sobretudo, à historiografia brasileira, talvez o problema esteja muito mais no esgotamento teórico.

O que pretendo dizer com essas observações é que, pela nossa história de mais de dez anos, temos a obrigação de nos colocar como tarefa o aprofundamento do debate teórico. Ou seja, o de propormos uma atualização do campo teórico de discussão do futebol.

O que quero indicar, portanto, é o compromisso de um esforço coletivo pelo debate teórico. Como fazê-lo na prática? Comecemos pela escolha, entre nossas opções, de um autor de referência e a disposição para apresentá-lo ao grupo como uma perspectiva teórica de estudo do futebol.

Se não fizermos isso, os próximos dez anos serão de mesmices, ou de saturação, como escreveu Alabarces.