quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O Tinho



(Sugestão de Luiz Carlos Ribeiro)




Se chamava Fausto (ou Faustinho, ou Tinho), tinha 15 anos e queria ser craque de futebol. Jogava nos juvenis de um clube médio. Jogava bem, mas não o bastante para se destacar dos outros garotos com a mesma idade e o mesmo sonho. Não o bastante para ser notado. Até que um dia Tinho se atrasou trocando de roupa depois de um treino e quando viu estavam só ele e um homem estranho, de terno escuro, no vestiário. Um homem que ele nunca tinha visto ali antes e que lhe deu seu cartão. Um cartão todo preto com uma única palavra, em vermelho: "Diabo." O homem fez uma proposta: em troca da sua alma, Tinho poderia pedir o que quisesse. Chutar com as duas pernas? Cabecear com perfeição? Driblar com maestria? Passar com precisão? O que ele quisesse. Pelo contrato apresentado pelo Diabo, e que ele assinou com seu sangue na hora, Tinho só se comprometia a, no fim da sua vida — que seria de grande sucesso e incrível riqueza —, lhe entregar sua alma.

E já no seu primeiro jogo depois do pacto com o Diabo, Tinho assombrou. Fez cinco gols, dois com cada perna e o quinto com uma cabeceada perfeita. Driblou com maestria e passou com precisão. Fenômeno, disseram todos. E naquele mesmo dia, depois do jogo, Tinho foi procurado por um empresário com sotaque castelhano que lhe propôs um contrato vitalício e um futuro fantástico. O empresário cuidaria da vida de Tinho por uma porcentagem. Em troca, faria de Tinho, em pouco tempo, o jogador mais famoso do mundo. O primeiro passo seria tirá-lo do Brasil e levá-lo para a Europa, onde estava o dinheiro. E Tinho assinou o contrato com o empresário na hora, raciocinando que o Diabo comprara a sua alma, não os seus direitos corporativos.

Mas o Diabo, como se sabe, é um ciumento. E protestou. Tinho devia sua nova notoriedade a ele, que assim como o transformara num craque poderia destransformá-lo. Tinho lhe pertencia, corpo e alma. E que mundo era aquele em que um pacto com o Diabo assinado com sangue não valia mais nada, ou valia tanto quanto um contrato assinado com um castelhano com uma Bic? Nada mais era sagrado? Para complicar as coisas, a direção do clube do Tinho fez uma proposta para o Tinho ficar, prometendo uma casa para a sua mãe, e movimentou seu departamento jurídico para anular as ações do Diabo e do empresário. E para complicar ainda mais as coisas um emissário de Deus, um anjo disfarçado de pipoqueiro, confidenciou ao Tinho que o Senhor se comprometia a mover céu e terra para ajudar sua carreira (inclusive pressionando algum grande clube da Espanha ou da Itália, onde Ele tem muita influência, para contratá-lo) se Tinho desfizesse seu contrato com o Diabo e Lhe prometesse sua alma. O próprio Tinho teve que contratar um advogado para assessorá-lo nas negociações.

Resultado: Tinho está treinando no Chelsea, onde ainda não realizou todo o seu potencial, porque o Diabo não se conforma em ter apenas 35%, já que Deus ficou com 35, o empresário com 30 e o clube com direito a uma participação em qualquer venda futura do jogador. Quanto à questão da alma do Tinho, ficou para mais tarde, quando, espera-se, já existirá uma norma da Fifa a respeito. 

Luís Veríssimo