terça-feira, 6 de agosto de 2013

Minha História Tricolor



Eu sou paranista desde o tempo em que o Paraná Clube se chamava Clube Atlético Ferroviário. Por sua tradição em congregar a massa de operários ferroviários da então Rede Viação Paraná-Santa Catarina, onde a maioria era negra ou mulata, o CAF era carinhosamente conhecido como “Boca-Negra”, como explica Buchmann:

“Seus torcedores eram simplórios guarda-freios, graxeiros, eletricistas de estrada de ferro. Não à toa, o time – e seus adeptos, a reboque – foram batizados de bocas-negras. A simbolizá-los, um índio de fartos beiços, com um osso amarrado no alto do beiço”. (Buchmann, 2002:62) 

Buchmann justifica a escolha desse símbolo com o seguinte argumento: “Perfeita imagem de um pigmeu, africano e canibal, denunciando a discriminação dos rivais”. (Idem)

Como a escolha não foi dos rivais, mas dos próprios torcedores, eu arriscaria outro argumento para a representação escolhida. Lembro que nessa época a categoria dos ferroviários era uma das mais politizadas, com um sindicato muito atuante. Antes de pensar de forma negativa em discriminação, por que não arriscarmos a hipótese de afirmação social de classe? Talvez uma atitude afirmativa em oposição ao pó-de-arroz do Atlético e às coxas-brancas do Coritiba, estes sim clubes da elite curitibana. Mas talvez seja apenas um delírio thompseano de minha parte.

Mas, por que me tornei um torcedor boca-negra? Meu pai nunca nos incentivou para o futebol. Apesar de meu irmão mais velho – Riva – ter sido goleiro juvenil do Britânia, jogar bola à época era coisa de desocupado. O Riva saia escondido de casa e quase sempre apanhava quando era pego jogando na várzea. Eu, além de míope, era muito ruim de bola. Enquanto meu irmão jogava bola eu era coroinha. Namorei muitas meninas na santa saída das missas.

O sonho de meu pai era que estudássemos e, de preferência, que fizéssemos carreira no exército, o que parecia na época ser uma das poucas oportunidades para meninos pobres, como eu. 

Meu pai era operário da Rede. Como carpinteiro, sua função era revisar e consertar os vagões de passageiros – então em madeira – que chegavam do interior. Ele trabalha na Estação Ferroviária, onde hoje é o Shopping Estação.

Em épocas de férias, sobretudo, eu ia à estação levar o seu almoço e no retorno molecava assistindo aos treinos do CAF no Estádio Durival de Brito e Silva, que fica anexo. 

Eu fui a poucos jogos no estádio. Futebol de estádio eu assistia no Canal 100, nas matinês de domingo, quando ia com minha mãe assistir aos filmes do Cantinflas, no Cine Morgenau. Claro, só depois da missa.

Lembro-me do glorioso bicampeonato de 1965/66, acho que os últimos títulos do CAF. Foi nessa época que acompanhei a desclassificação da seleção brasileira, com Eusébio derrotando o nosso rei Pelé, que saiu machucado. Eu tinha 16 anos e era auxiliar de escritório – ou office-boy, como se dizia – e fazia serviços externos da empresa. Lembro-me chorando pela derrota, na boca-maldita, onde foram instalados alto-falantes. A imagem de Pelé chorando, sendo carregado para fora do campo eu só vim a assistir mais tarde, claro, no Canal 100.

Tornei-me sócio do clube e passei a ir ao estádio apenas com meus vinte e poucos anos, quando o CAF, depois da fusão com o Britânia e o Palestra Itália, passou a se chamar Colorado. Eu fazia o curso de História à tarde e dava aulas pela manhã e á noite. Foi na militância do sindicato dos professores da rede pública que conheci o meu amigo Romeu Gomes de Miranda (o Romeu preto, pois havia outro, que era branco). Eram anos de chumbo e nossa militância tímida. Além de militante, descobri que Romeu também era Colorado, e também filho de ferroviário. Fizemos muitas coisas juntas: militância, faculdade, aulas no ensino público e íamos ao estádio ver o Colorado ou nadar na piscina do Durival de Brito.

Quando em 1974 conheci a Maria no baile do dia dos professores, do Colégio Hildebrando de Araújo (onde ambos lecionávamos) e tivemos nosso primeiro filho, a coisa ficou séria. A militância crescia com os primeiros sinais da redemocratização e nosso compromisso com a política aumentava. Tínhamos de decidir se fazíamos já a revolução ou se o momento era apenas de “acúmulo de forças”. Apesar da paixão pelo futebol, os finais de semana eram agora para a militância. A luta no sindicato dos professores, a fundação do PT, as “diretas já!”, quarenta horas em sala de aula, a dissertação de mestrado na USP sobre o cotidiano da classe operária que se arrastava, o Thompson e o Castoriadis fustigando a minha cabeça de militante, a revolução cada vez mais inconclusa e mais um filho nascendo... As visitas ao Colorado foram se tornando eventuais.

Em 1989, enquanto caia o muro em Berlim e o Colorado associava-se ao Esporte Clube Pinheiros para criar o atual Paraná Clube, Maria e eu partíamos com dois filhos para Paris, para o doutorado.

Quando voltamos doutores em 1991, o Paraná ganhava seu primeiro título de campeão paranaense. A sequência foi só de alegria: de 1993 a 1997 só deu Paraná no campeonato paranaense.

De lá para cá a revolução evaporou-se, a democracia continua inconclusa e eu não consegui fazer herdeiros paranistas: Maria é uma corinthiana desavisada, Guilherme é flamenguista e Felipe não gosta de futebol. 

Mas eu continuo tricolor de coração.


Luiz Carlos Ribeiro
Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade
Departamento de História/UFPR