segunda-feira, 14 de maio de 2012

Crônica da Semana

Seleção (brasileira?): códigos de consagração nos oitenta anos de selecionado nacional - por Daniel Ferreira.








Pierre Bourdieu escreve em “Regras da Arte” que, embora a genialidade do artista, a consagração deste poderia ser vista à partir de códigos próprios de estruturas sociais. Partimos da convocação do selecionado nesta sexta, 11 de maio de 2012, quando Mano Menezes convocou o selecionado brasileiro (que geralmente é referenciado como futebol arte) de futebol visando aos jogos olímpicos (em Londres 2012). Dos 23 convocados 13 são “estrangeiros” (jogam em clubes fora do Brasil), 8 do eixo Rio-SP, e 2 gaúchos (do Internacional).  As convocações de seleções brasileiras geralmente são acompanhadas por uma euforia na mídia, porém historicamente veremos que pelo menos paras copas do mundo, estas convocações poderiam ser descritas com base em determinadas  regras.
O Brasil jogou até hoje dezenove copas desde 1930. Como se sabe, venceu cinco delas, sendo vice-campeão (ainda) em duas oportunidades. Símbolo de brasilidade pra muitas pessoas – ainda nos dias atuais – a verdade é que se pegarmos as formações desses 80 anos de seleções nacionais, veremos ser meio insustentável a ideia de que se configura um espaço de de consagração máxima e meritocrática do povo brasileiro(considerando-se a as contradições inerentes a esta ideia), se partirmos de uma abordagem em que se leva em consideração uma categoria de análise que poderia ser descrita de forma geral como regionalismo. Nosso método considera o estado do clube em que o jogador atuava quando na seleção.
  Há de se mencionar, antes de tudo, que a história do selecionado nacional nas copas do mundo atravessa praticamente todo um século, construindo-se e influenciando-se por inúmeros acontecimentos. No plano internacional, por exemplo, acompanhamos o entre-guerras, o nazi-facismo, a segunda guerra, a guerra fria e o triunfo do capitalismo. No plano interno, a industrialização e urbanização do país, além de regimes políticos que caminharam entre democracia e o autoritarismo. Já no campo esportivo a profissionalização do desporto (e neste momento com a incorporação dos afrodescendentes), a consagração (e também o drama e a crise) do futebol-arte, a criação do campeonato brasileiro, do fim da lei do passe, a introdução do conceito de gestão empresarial – cujos clubes europeus se tornaram os maiores protagonistas - a globalização, a midiatização e espetacularização do esporte, enfim são inúmeras as outras temáticas que cercam e atravessam o objeto desta crônica e que, senão podem aqui ser exploradas, oferecem a ideia do quão avizinhada foi por acontecimentos relevantes a história do selecionado nacional.
Assim, acompanharemos que desde o Uruguai (1930) o selecionado foi composto por praticamente 70% de jogadores que jogavam então em clubes do eixo RIO-SP, mais ou menos 29% provenientes de clubes MG-RS, e a porcentagem que sobra se trata do jogador Kleberson que atuava ano Atlético-PR em 2001.
Em cinco oportunidades (entre elas 1958 e 1962) o selecionado foi composto apenas por jogadores do eixo RIO-SP. Até 1958 (e com exceção de 1990), a predominância era de cariocas, quando então, os paulistas passam a figurar numericamente em destaque. Um mineiro participou em 1930, e este estado voltaria a ser representado apenas em 1966. Os gaúchos estrearam em 1950 com dois representantes.
À partir de 1982, com Falcão e Dirceu marcariam os primeiros “estrangeiros” no selecionado. E estes foram paulatinamente aumentando, chegando quase a totalidade(22) dos convocados em 2010, quando a exceção foi novamente Kleberson, agora no Flamengo-RJ. Dos estrangeiros, a porcentagem não se altera muito quanto à regionalidade: mais ou menos 70% deles foram exportados de clubes de RIO-SP, enquanto que a diferença destacam-se jogadores, sobretudo, de MG-RS.
             De fato Rio-SP (e por extensão os clubes dali) construíram-se regiões historicamente mais fortes economicamente no nosso país, ao longo do século XX. Mas será que nossa economia futebolística foi assim tão dinâmica e meritocrática ao longo desse século capaz de justificar essa predominância regional, no selecionado nacional, mesmo com contradições que impediriam o livre mercado de atletas como a “lei do passe”? Jogou-se mais futebol, e por isso melhor, nessas regiões? Considerando ainda que a mídia mais forte historicamente e economicamente, em termos de Brasil, é também dessa região: em que medida isso contribuiu para legitimar a convocação dos atletas nesses 80 anos?  Enfim muitas questões podem ser levantadas á partir dessas informações, mas que um modelo permanece, isto é bem claro.