quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A história de uma torcida que tem estádio, mas não tem time


Na pequena Cambará, no norte do Paraná, um grupo de torcedores encarna uma peculiaridade: eles são os proprietários do estádio da cidade, com capacidade para 20 mil pessoas, mas já não contam com um time para torcer. O esforço de anos para construir um campo que abrigasse o Matsubara, equipe que já foi uma das forças do interior do estado, resultou em uma desilusão para os apoiadores, que ficaram órfãos quando o clube abandonou a cidade - um dos últimos passos antes de deixar de existir.

Criado em 1974 por Sueo Matsubara, um empresário do ramo agrícola, o clube encerrou suas atividades em 2009 na terceira divisão do campeonato Paranaense. O time foi celeiro de atletas de expressão, entre eles o atacante Nilmar (ex-Inter e seleção brasileira), contou com o jogador Neto (ex-Corinthians) e teve o ator Nuno Leal Maia como técnico. Porém, apesar da tradição que criou no interior paranaense, acabou trocando de cidade.

Foi uma frustração especialmente para a Torcida Organizada do Matsubara, a TOM, criadora do movimento de construção do estádio. Apesar do desgosto, o grupo tenta permanecer unido, marcado pela herança dos tempos em que a cidade se mobilizou para dar de presente ao Matsubara um local para mandar seus jogos no Campeonato Paranaense. A história começou nos anos 80, quando os torcedores organizaram rifas, arrecadaram dinheiro e fizeram um mutirão com trabalhadores voluntários para colocar em pé o Estádio Regional, que se transformou na casa do time.

Foram mais de dez anos jogando ali sem problemas, até o início da década de 90, quando o time se destacou no quadrangular final do Campeonato Paranaense de 1993. O que parecia motivo de comemoração teve um gosto amargo, pois o regulamento previa que apenas locais com capacidade mínima de 20 mil pessoas poderiam receber jogos. O Matsubara teve que mandar suas partidas em Maringá, no estádio Willie Davids.

Apaixonados pelo time, os torcedores voltaram a mobilizar toda a cidade para reunir mais recursos e dar ao Matsubara um estádio ampliado, que pudesse receber até mesmo a final do Paranaense, como sempre sonharam. Foram dois anos de muito esforço até o dia da entrega do estádio, agora maior.

Pouco antes do início dos preparativos para o Campeonato Paranaense de 1995 e com a conclusão das obras, a torcida do Matsubara foi surpreendida pela notícia de que o time estava sendo transferido para Londrina. Atrás de mais recursos, os dirigentes do clube decidiram trocar sua casa, seu estádio e deixar para trás toda a TOM.

- Assim que fomos entregar as chaves do estádio, com uma lotação boa, que poderia render muito ao Matsubara, o presidente comunicou que estava deixando Cambará para conseguir mais público e renda em Londrina. Justamente no dia em que o povo tinha se sacrificado e terminado as obras - lembra Ovanir dos Anjos, atual vice-presidente do TOM.

A aventura em Londrina, os craques e a volta melancólica

Em Londrina, a primeira temporada do Matsubara empolgou o clube. A diretoria investiu alto contratando o jogador Neto (ídolo do Corinthians e campeão Brasileiro em 1990), além de uma equipe forte que ficou na terceira colocação (o Paraná foi o campeão, e o Coritiba, o vice), que lhe rendeu o título de campeão do interior.

Em 1996, já sem Neto, a nova tentativa de atrair a atenção foi a contratação do ator Nuno Leal Maia como técnico, mas o time naufragou na 15ª posição. O ano seguinte foi o último da aventura do Matsubara em Londrina. O clube não conseguiu atrair torcedores, os investimentos cessaram e a equipe voltou para sua antiga casa. Em Cambará, porém, o Matsubara encontrou os torcedores ainda irritados com o abandono.

- Quando ele (Sueo Matsubara) voltou, a cidade estava revoltada. Ele sempre reclamou que aqui não dava mais renda, mas ele queria o quê? Nos abandonou e achou que todos estariam de braços abertos? Ele acabou com a história do clube. Hoje em dia, os meninos de 18 anos nem sabem mais o que é o Matsubara - desabafou Ovanir dos Anjos.

Sem apoio em Cambará, o clube foi definhando e caindo até jogar em 2009 a terceira divisão do Paranaense mandando seus jogos na cidade de Santo Antônio da Platina. O clube encerrou suas atividades no mesmo ano, depois de não conseguir voltar para a segunda divisão.

Torcedores mantêm o estádio e a memória

Atualmente, o estádio construído com a força da cidade de Cambará está sem uso, mas continua administrado e cuidado pela TOM. O último grande evento ocorrido foi um jogo envolvendo o time master do Corinthians, que vistou a cidade para uma partida beneficente e levou mais de 5 mil pessoas. De resto, o Regional é usado para eventos esportivos e escolares do município.

Os dez integrantes que restaram da TOM lutam para manter a história do grupo intacta. Entre as atividades, existem encontros no estádio e reuniões para saber o futuro do grupo. A luta atual é para trocar o nome do estádio para Regional Vicente de Camargo - organizador da arrecadação e das obras da construção na década de 80.

Apesar de não ser utilizado há mais de um ano, Dos Anjos rebateu a ideia de que o estádio esteja abandonado. Sua preocupação atual é preservar o trabalho árduo dos moradores de Cambará na década de 80. Ele relembra o sacrifício que foi erguer um estádio do nada.

- O Vicente criou uma comissão de construção. Compramos o terreno, um lugar que não tinha nada, era só mato. Começamos do zero e em seis meses entregamos o estádio para o Matsubara jogar - disse.



Sugestão e comentário de Jhonatan Souza.

Existe uma velha máxima segundo a qual os moradores do Paraná não torcem para os clubes do estado. O discurso tem sua espacialidade, surge normalmente em Curitiba, associado às principais agremiações da cidade e seu grupo de influência, adotando um tom denuncista, que justifica projetos de marketing fracassados, insistentes em evocar uma "identidade paranaense" que não tem qualquer apelo entre os moradores do norte, noroeste, oeste ou sudoeste - só para citar algumas regiões - do estado. Estudos como os de Victor Garcia Miranda, sobre o futebol profissional em Paranavaí, e Victor Raoni de Assis Marques, sobre o futebol profissional em Campo Mourão, apontam em sentido contrário, descortinando uma complexa trama de relações que depositam nos clubes das mais diversas cidades paranaenses um potencial impressionante de mobilização social e afetiva das populações desses municípios. Partindo do prisma da experiência pessoal, recordo com detalhes a agitação que tomou conta da região de Cianorte, quando dos embates, na Copa do Brasil de 2005, entre o Leão do Vale do Ivaí e o poderoso Corinthians, de Tevez, Mascherano e Kia Joorabchian. A vitória do Cianorte por 3 x 0, em um estádio Willie Davids (Maringá) abarrotado de gente, contra o todo poderoso - e polêmico - campeão brasileiro de 2005, gerou uma euforia sem precedentes na região. O caso da "torcida organizada" do Matsubara, de Cambará, é apenas mais uma dessas histórias de envolvimento - nesse caso até mesmo financeiro e físico, já que os torcedores bancaram e serviram como pedreiros na construção do estádio - dos torcedores paranaenses com os clubes locais. O desfecho trágico da história, ajuda a compreender também as ressalvas que muitos desses sujeitos tem aos modelos presentes de "modernização" do futebol.