segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O futebol e a antropologia social de Roberto da Matta

O FUTEBOL E A ANTROPOLOGIA SOCIAL DE ROBERTO DA MATTA
Miguel A. de Freitas Jr
Professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa
Pesquisador do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade

Ontem em uma da orientação de iniciação científica, o acadêmico me perguntou quem era Roberto Da Matta, pois inúmeros artigos que abordam a sociedade a partir do futebol, tem este autor como referência central. Resolvi então compartilhar neste nosso espaço virtual, algumas questões básicas deste antropólogo que aborda temas relativos a cultura brasileira (carnaval, malandragem, jeitinho brasileiro...).

DaMatta analisa a questão do futebol à partir da idéia de DRAMATIZAÇÃO, como parte fundamental do ritual. Para este autor, sem o drama não há rito e o traço distintivo do dramatizar é chamar a atenção para as relações, valores ou ideologias que de outro modo não poderiam estar devidamente isoladas das rotinas que formam o conjunto da vida diária, ou seja, o ritual e o drama seriam um determinado ângulo através do qual uma dada população conta a sua história. Neste sentido, não se trata de discutir a verossimilhança dos fatos, mas de perceber como o brasileiro expressa-se, apresenta-se e revela-se em um dos seus momentos de liberdade social.

A proposta do autor está em relativizar a análise, fugindo desta maneira do modelo tradicional, no qual “qualquer” objeto estudado, que tenha a sociedade como parâmetro, acaba sendo dicotomizado e normalmente mantém uma relação de confronto com esta sociedade. Para ele, é decorrente desta ideologia a tese do “Futebol como Ópio do Povo”, da mesma forma que a economia é considerada a base da sociedade. Neste sentido, o futebol brasileiro seria um instrumento ideológico utilizado pelas elites (pensantes) como um meio de desviar a atenção das massas (irracionais) dos seus problemas sociais.

DaMatta, indica que é fundamental que se visualize o futebol além do seu caráter funcional, pois só desta maneira torna-se possível compreender a função política e social deste esporte, que acaba trazendo a tona várias tensões sociais, como ele salienta: “Só que eles são os problemas da nossa própria sociedade, daí a dificuldade em percebe-los e discuti-los”. (1982: 22)

Ao analisarmos a relação existente entre o esporte/futebol e a sociedade, temos a possibilidade de utilizarmos um filtro que permitirá visualizar a totalidade e as particularidades de um determinado contexto, pois os objetivos saem da questão da função e utilidade do esporte, e passam a ser fundamentados na sua implicação e conseqüência social. Pois, enquanto uma atividade da sociedade, o futebol é a própria sociedade, sendo expressa através de seus atores, regras, objetos, ideologias, etc.

A proposta metodológica expressa pelo autor para esta escala de análise, foi através da comparação do futebol em diferentes sociedades. Ele escolhe a inglesa (devido a “paternidade” do futebol), a americana (devido a sua significância econômica e política mundial) e a brasileira (seu foco de análise).

Realizando uma análise semântica entre o futebol como jogo para os brasileiros e o futebol como esporte para os americanos e ingleses. DaMatta indica que no Brasil, o futebol é associado a jogar futebol, o que denota uma certa ligação aos “jogos de azar”, diferente do que ocorre nas outras duas nações.

Com base nesta indicação o autor mostra que no Brasil, o futebol está associado a técnica, a tática, a força física e psicológica, mas diferente da sociedade anglo-saxão, no Brasil se atribui muita importância a fatores como sorte e/ou destino. Um exemplo disto seria a presença da loteria esportiva na sociedade brasileira.

Além disso, o futebol brasileiro se difere do europeu, pela sua improvisação e individualidade. Deste modo, o futebol é na sociedade brasileira, uma fonte de individualização e possibilidade de expressão individual, muito mais do que expressão de coletividade. É através desta dialética entre individualização e coletividade, que o futebol brasileiro permite exprimir o conflito presente entre destino impessoal X vontade individual. Em certa medida este é um dilema da própria sociedade brasileira, que o jogo de futebol focaliza e dramatiza, pois mesmo apresentando vontades individuais este esporte é regido por leis impessoais, apresentando fatores imprevisíveis que podem dar a vitória para uma equipe considerada menos apta para ser a vencedora, ou seja, não há um modo de prever com segurança uma relação direta (racional) entre os meios e os fins.

Através do futebol pode-se realizar uma outra dramatização, onde uma entidade abstrata como um país, torna-se algo visível e concreto sobre a forma de uma equipe que sofre, vibra e vence os seus adversários. Representando uma massa popular que normalmente não tem voz e quando fala necessita respeitar uma ordem hierárquica, mas o futebol parece permitir uma certa horizontalização do poder, através da reificação esportiva. Assim o povo vê e fala diretamente com o Brasil, sem necessidade de intermediários.

Essa experiência de união em torno do país é algo concreto e uma poderosa dramatização que o futebol permite realizar e que transcende os seus usos e abusos pelo governo. Pois o futebol é uma atividade democrática pautada no desempenho individual, ou seja, ninguém se torna craque através da família, pelo compadre, ou por decreto presidencial, é necessário provar as suas qualidades em uma ação concreta, algo raro na sociedade brasileira.

O que se pode perceber é que na tentativa de justificar a popularidade do futebol no Brasil, DaMatta utiliza-se dos conceitos de ritual e drama social, para tratar o futebol como um meio privilegiado de observar uma série de problemas significativos da sociedade brasileira, o que em certa medida justificam a popularidade deste esporte no nosso país. Contudo, o que precisa ser levado em consideração é a autonomia relativa presente neste campo esportivo e este é um dos pontos mais sutis que precisam ser considerados ao trabalhar com a proposta teórica deste autor, pois caso contrário corremos o risco em cair numa armadilha e soterrar o nosso objeto de estudo (futebol) de valores pré – estabelecidos pelas teorias clássicas presentes no mundo acadêmico.

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