domingo, 15 de julho de 2012

Crônica da Semana




Centenário do Fla x Flu ou Festa das Organizações Globo?
Doutorando em História (UFPR) André Alexandre Guimarães Couto


Olá para todos e todas:
Nesta crônica de estreia no blog, com todo direito a frio na barriga, escolhi um tema que pudesse dialogar futebol, memória e imprensa. Sei que vão dizer que se o resultado fosse outro, este texto não existiria, mas para o bem da felicidade, seguimos em frente.
O último clássico disputado entre Fluminense e Flamengo no último domingo, válido pelo Campeonato Brasileiro, no qual o Flu venceu por 1 x 0, foi, para além do importante jogo entre estas duas equipes, uma verdadeira festa.

Teve direito a tudo que se possa pensar: número significativo de torcedores, taça para os dois times, entrada com crianças vestidas com os uniformes invertidos à equipe que as acompanhou, homenagem dos craques do passado com seus respectivos nomes estampados nas costas dos jogadores, preliminar entre ex-jogadores, com a participação de jornalistas e artistas, hino cantado por Dudu Nobre e Toni Platão etc.
Bem, até aí nenhum problema ou questão maior para a nossa preocupação devido à importância do jogo. Não é todo dia mesmo que um clássico comemora uma data tão longeva. O que nos chama a atenção, todavia, é como tal jogo foi apresentado.
            Apesar de o clássico existir desde 1912, a memória da imprensa esportiva contemporânea sempre nos remete ao jornalista Mário Filho, que motivou ainda mais a rivalidade entre as torcidas por sua atuação de cronista, editor e proprietário no Jornal dos Sports, além de sua forte presença nas páginas esportivas e redação de O Globo.
            É lembrada também a frase de Nelson Rodrigues: “O Fla-Flu surgiu quarenta minutos antes do nada.” Estes dois nomes foram repetidos nos jornais, rádio e televisão de forma exaustiva, geralmente associando-os como os responsáveis pela importância deste clássico.
            Se acreditamos que a própria atuação de Mário Filho na década de 1930 nos remete a uma ideia de tradição inventada (Hobsbawn e Granger) ao olhar para o presente e representá-lo sobre uma luz de um evento mais distante do que realmente era, a imprensa esportiva repete quase que diariamente esta prosaica visão na relação entre mídia e futebol.
            Apesar de o evento ter sido noticiado e comentado por todos os veículos de comunicação, foi na Rede Globo que o jogo ganhou mais destaque com a entrada deste tema em vários programas da emissora.
As Organizações Globo tomaram o Fla-Flu como produto, ao quebrar a “regra” dos assinantes dos canais e pacotes de transmissão do Campeonato Brasileiro, televisionando ao vivo para a praça local, ou seja, o Rio de Janeiro. Tal fato causou uma série de críticas dos assinantes que se sentiram prejudicados por terem investido em um jogo que saiu gratuitamente para quem ficou em casa.
            A escalação do principal narrador, Galvão Bueno, além do principal comentarista de arbitragem, Arnaldo César Coelho, é bastante reveladora. Lembramos que a dupla, atualmente, se restringe à narração de grandes finais europeias (Eurocopa, UEFA Champions League) ou jogos da Seleção Brasileira. Palavras como “Fluzão” e “Mengão” foram utilizadas pelo narrador como forma de apresentar um jogo diferente, pois era histórico. A aproximação com o telespectador era mais necessária do em qualquer outra situação.
            Analisando friamente, o jogo não foi dos melhores, mas o que importa? A memória do futebol carioca e brasileiro era o mote principal da imprensa durante toda a semana e durante o jogo. Até na análise preliminar dos técnicos a memória do Fla-Flu foi utilizada como podemos observar nas frases dos dois técnicos:
Abel Braga, técnico do Fluminense: "Tínhamos previsão de conquistar sete pontos nos últimos três jogos e conseguimos nove. Agora temos um clássico pela frente e não vamos abdicar do ataque. A equipe será ofensiva como sempre foi. Os últimos Fla-Flus foram decididos nos detalhes. Falam que não ganhamos deles há dois anos, mas nossa preocupação é o momento. Se a equipe estiver em um bom dia, a possibilidade de mais uma vitória é grande".
Joel Santana, técnico do Flamengo: "É um clássico diferente, dentro de uma história diferente, de dois clubes que viraram uma paixão. Tive a felicidade de estar em muitos desse clássico, pelos dois clubes. No Maracanã seria muito mais bacana. Mas acho que vai ser um grande jogo".
            Enquanto Abel Braga analisa sob uma perspectiva do presente, preocupado apenas com a disputa do Campeonato Brasileiro, Joel Santana ressalta a importância da história do clássico, ciente da irregular fase do seu time e da falta de qualidade técnica do mesmo. A memória, aqui, se tornou um subterfúgio para o esquecimento de um presente não tão querido.
            Enfim, poderíamos ficar discutindo páginas e páginas sobre este tema, mas para não cansá-los, fica uma sugestão: por que não dividir a taça (advinha quem a cedeu?), cuja metade tricolor foi chamada de Nelson Rodrigues e a outra rubro-negra, Mário Filho de forma invertida? Não seria legal entrar na sala de troféus do Fluminense e ver uma “Taça Mário Filho”? Por outro lado, entrar na Gávea e dar de cara com um objeto chamado Nelson Rodrigues? É. Não seria boa ideia. Principalmente para este último...