terça-feira, 16 de outubro de 2012

Crônica da Semana


FUTEBOL EM PAUTA: COMPETIÇÕES ESPORTIVAS E ELEIÇÕES MUNICIPAIS

pelo mestrando em História, Jhonatan Souza

No cenário político, o segundo semestre de 2012 tem sido um prato cheio em termos de eleições. A disputa estadunidense, a reeleição de Hugo Chávez na Venezuela e os pleitos municipais no Brasil, tem dominado a imprensa nacional e tido boa inserção na mídia internacional. Por aqui, os especialistas, articulistas políticos e intelectuais têm identificado ao menos dois fenômenos marcantes nessas eleições municipais. O primeiro diz respeito ao impacto da internet e das redes sociais nas campanhas eleitorais, fenômeno que já despontava em 2010, com o Orkut, e ganhou novos ares em 2012 com o Facebook e o Twitter, descentrando parcialmente as coordenações eleitorais, principalmente quanto à produção de materiais de campanha, que agora podem ser confeccionados em qualquer casa ou estabelecimento que disponha de acesso à rede. O segundo fenômeno diz respeito aos impactos da "nova classe média" ou "da classe trabalhadora expandida" no comportamento eleitoral. Em São Paulo, esse impacto foi nomeado de "fenômeno Russomano", entendido como uma ascensão conservadora por pensadores como Vladimir Satafle e André Singer, tendo como plataforma de governo a defesa da expansão do consumo em evidente diálogo com os setores emergentes da cidade. Embora o "fenômeno Russomano" tenha sido, até certo ponto, superestimado em São Paulo, ele encontra ecos em outras cidades como é o caso de Curitiba com Ratinho Júnior. Acrescentaria a esses dois pontos/fenômenos específicos das eleições de 2012 um terceiro, qual seja, o papel que o futebol tem desempenhado nos debates dessas eleições municipais. 


Não é novidade a relação entre futebol e política e as bancadas da bola existem ha muito tempo em diversas instâncias do legislativo nos mais distantes lugares. Entretanto, às vésperas da realização de uma Copa do Mundo no Brasil, o debate em torno do futebol ganha novos ares por um motivo evidente: muito embora o financiamento seja federal o lugar de realização desses megaeventos é a cidade, é nela que eles se encerram. A reestruturação urbana prevista pelas obras da Copa terá de ser pensada em nível municipal, os impactos dessas obras, as regiões da cidade privilegiadas, o transporte público, a mobilidade, os espaços culturais e de lazer. Enfim, há uma verdadeira capilarização do futebol, é como se o bate-bola tivesse adentrado a todos os campos da administração municipal e por todas as páginas dos "planos de governo" das candidaturas das cidades sede é possível encontrar as palavras "Copa do Mundo", seja no item "Planejamento urbano", seja no "Saúde", "Meio Ambiente", "Educação" ou em todos eles. Alguns apontamentos sobre São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba podem iluminar a forma com que esse tema tem sido tratado em distintas conjunturas. 

Em São Paulo assistimos à tabelinha clássica entre Copa do Mundo e planejamento urbano. Essa dobradinha é evidente na candidatura de Fernando Haddad, que elegeu como tema central da campanha no primeiro turno a reestruturação urbanística da cidade, dedicando cerca de 40% das páginas de seu "Plano de Governo" a essa questão. Em algumas dessas páginas a Copa do Mundo é apontada como um momento propício para repensar a cidade e seu traçado. Esse vínculo se torna mais evidente se pensarmos na força dessa candidatura na FAU-USP, que cedeu um de seus professores, Nabil Bonduki, como candidato à vereança. Além de Bonduki, o site "Pense novo" foi alimentado com comentários de Raquel Rolnik sobre o planejamento urbano em São Paulo. Rolnik, que é relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, tem sido uma das maiores críticas dos processos de remoções motivados pelas obras que envolvem os megaeventos esportivos e uma das figuras carimbadas nos debates e fóruns sobre a Copa do Mundo no Brasil. Debate idêntico ocorreu em Belo Horizonte na plataforma de campanha de Patrus Ananias. Voltando a São Paulo, além do tema urbanismo, surgiu um debate acerca do resgate do "futebol de várzea" entendendo-o como um patrimônio cultural local que deveria ser estimulado afim de preparar o "ambiente para a Copa 2014". Pouco se falou do financiamento público ao Itaquerão, talvez pelo fato de ter sido avalizado por todos os partidos dos principais candidatos do município. 

Se em São Paulo o tema de pauta foi o urbanismo, em Curitiba o financiamento público à reforma da Arena da Baixada tornou-se questão de ordem. Gustavo Fruet, além de produzir materiais de campanha específicos para torcedores do Coritiba - o que rapidamente foi copiado por outras candidaturas e para outros clubes -, tentou aproximar-se da Império Alviverde, buscando associar a figura de Luciano Ducci com o Atlético Paranaense, tarefa facilitada pela candidatura a vereador de Paulo Rink. Entretanto com a ascensão eleitoral da Ratinho Júnior - embora este fosse do PSC, mesmo partido de Julião da Caveira - a "questão Atlético" foi deixada de lado e os debates relativos à Copa do Mundo voltaram à zona de conforto dos prazos e acordos, com a exceção de Bruno Meirinho e seu jingle "da Copa eu abro mão", que estabelecia uma oposição entre os investimentos na promoção social de um lado e a realização da Copa do Mundo de outro, como iniciativas indialogáveis e excludentes. 

Mais ousado e mais interessante foi o debate levantado por Marcelo Freixo no Rio de Janeiro. Enquanto para Eduardo Paes a foto estratégica na apresentação de Seedorf no Botafogo marcou o início da campanha, para Freixo o abraço coletivo ao Maracanã fechou sua empreitada eleitoral. Lembrando em muito a plataforma da ANT (Associação Nacional dos Torcedores) que teve algum impacto nas esquerdas cariocas, Freixo propôs repensar não só a Copa do Mundo, defendendo uma "Copa Popular", como também o próprio modelo de futebol-empresa estabelecido no Brasil e no Rio de Janeiro, defendendo em seu lugar um entendimento do futebol enquanto patrimônio cultural, em um discurso oposto ao modernização/neoliberalismo que esta em voga. Dentre outras coisas, criticou profundamente as reformas no Maracanã, atentando à incoerência de um pensamento segundo o qual é permitido viajar em pé na circular, mas é proibido assistir uma partida de futebol de pé. De algum modo é uma iniciativa nova no campo dos partidos de esquerda que, normalmente, tendem a se retirar dos debates sobre o futebol encarando-o apenas como instrumento de alienação das classes dominantes, portanto, insignificante. O debate acerca do futebol esteve articulado na plataforma de Freixo com uma concepção de política cultural macro que, entre outras coisas, propunha revisitar o sistema de organização e financiamento do carnaval carioca, projeto coerente com iniciativas anteriores como a "lei do funk" de 2008, que assegurava ao ritmo o status de movimento cultural popular. Outros temas em pauta no Rio de Janeiro envolvendo a Copa e as Olimpíadas foram as remoções forçadas e a expansão do metrô, ganhando espaço nos debates televisivos e nas charges de Carlos Latuff. 

Cada uma a seu modo e com intensidades específicas, diversas candidaturas colocaram o futebol e a Copa de 2014 em pauta, os três casos acima são apenas ilustrações de um debate que se deu de norte a sul no Brasil. Excetuando Brasília pela ausência de eleições municipais, das outras onze cidades sede da Copa, apenas quatro elegeram seus prefeitos em primeiro turno, outras sete terão segundo turno, fiquemos atentos ao espaço que o futebol ocupará nesses debates.