quinta-feira, 19 de agosto de 2010

ESPORTE NA MÍDIA OU ESPORTE DA MÍDIA? Por Mauro Betti

A rigor, não existe esporte na mídia, apenas esporte da mídia. Se a mídia enfocasse o esporte como cooperação, auto-conhecimento, sociabilização etc., em vez da habitual ênfase no binômio vitória-derrota, recompensa extrínseca, violência etc., ainda assim estaria fragmentando e descontextualizando o fenômeno esportivo, pois a competição e uma certa agressividade são a ele inerentes. Ou mesmo como diria Elias (1990), o esporte é um lugar socialmente permitido para a expressão da beligerância e agressão, de maneira controlada.

Evidentemente, estamos nos referindo ao esporte formal, institucionalizado em federações e passível de espetacularização pela televisão, e, portanto, ignorando a polissemia associada à palavra “esporte” (Betti, 1998).

Admitir o esporte na mídia exigiria aceitar o pressuposto de que a mídia fosse capaz de abordar o esporte em sua inteireza, o que não é possível por dois motivos, ao menos: i) pela própria natureza e limitações de cadamídia; ii) pelo fato de que cada mídia cumpre funções específicas (Santaella, 1996). Quer dizer, inevitavelmente, oesporte na mídia é sempre mediado pelos olhares interessados dos diversos meios, dentre os quais destaca-se atelevisão, a mais híbrida de todas as mídias, “que absorve e devora todas as outras mídias e formas de cultura”(Santaella, 1996, p. 42). Por isso, é a televisão a mídia mais importante para entendermos as relações entre as duasinstâncias. De fato, o esporte não teria alcançado a importância política, econômica e cultural de que desfruta hojenão fosse sua associação com a televisão, associação esta que criou uma “realidade textual autônoma”: o esportetelespetáculo (Betti, 1998).

Mas quais são as características do esporte da mídia? Centrando-nos no caso da televisão, algumas delas são:
1) Ênfase na “falação esportiva”. A falação esportiva (Eco, 1984) informa e atualiza: quem ganhou, quem foi contratado ou vendido (e por quanto), quem se contundiu, e até sobre aspectos da vida pessoal dos atletas. Conta ahistória das partidas, das lutas, das corridas, dos campeonatos; uma história que é sempre construída e reconstruída,pontuada pelos melhores momentos - os gols, as ultrapassagens, os acidentes etc. cria expectativas: quem seráconvocado para a seleção brasileira? A falação faz previsões: qual será o placar, quem deverá vencer. Depois,explica e justifica: por que tal equipe o atleta ganhou ou perdeu. A falação promete: emoções, vitórias, gols,medalhas. Cria polêmicas e constrói rivalidades: foi impedimento ou não? A falação critica: "fala mal" dos árbitros,dos dirigentes, da violência. A falação elege ídolos: o "gênio", o craque fora de série. Por fim, sempre que possível,a falação dramatiza.

2) Monocultura esportiva. A ênfase quantitativa da “falação” das mídias, assim como da transmissão ao vivo deeventos  é,  no  Brasil,  evidentemente  relacionada  ao  futebol,  tendência  que  se  acentuou  nos  últimos  anos, provavelmente porque as empresas descobriram naquela modalidade esportiva uma melhor relação custo-benefício para  a  publicidade.  Uma  possível  exceção  situa-se  na  TV  por  assinatura,  na  qual  Betti  (1999)  encontrou  maior percentagem de programação dedicada aos “esportes radicais”, seguida de futebol e tênis.

3)  Sobrevalorização  da  forma  em  relação ao  conteúdo.   É  característica  marcante  da  mídia  televisiva.  O  esporte telespetáculo tende a valorizar a forma em relação ao conteúdo.Isso decorre do fato do discurso televisivo fazer uso privilegiado da linguagem audiovisual, combinando imagem, som (música, por exemplo) e palavra, com ênfase na primeira.  As  possibilidades  do  audiovisual  são  levadas  cada  vez  mais  adiante,  em  decorrência  dos  avanços tecnológicos associados à informática (mini-câmaras, closes, slow-motion, recursos gráficos etc.). Mas também nas mídias  impressas  (jornal,  revista),  as  imagens  vêm  ganhando  espaço  em relação  à  palavra  –  são  fotos,  gráficos e outros   recursos   produzidos   com   sofisticação   e   qualidade   cada   vez   maiores   por   conta   dos   avanços   da informática/computação. O poder da linguagem audiovisual é maximizado na TV por assinatura, na qual o esporte pode apresentar-se como pura imagem (Betti, 1999), o que se justifica no processo de espetacularização, porque a televisão busca atingir a emoção do espectador, e não a razão. Do outro lado da moeda, o discurso das mídias em geral  propõe uma concepção hegemônica de esporte: esforço, busca da vitória, disciplina, dinheiro. O preço que se paga pela espetacularização do esporte é a fragmentação e descontextualização do fenômeno esportivo. Os eventos e  fatos  são  retirados  do  seu  contexto  histórico,  sociológico,  antropológico.  A  experiência  global  do  ser-atleta  é fragmentada.  No  caso  da  televisão,  a  descontextualização  é  mais  sutil,  e  o  telespectador  é  vítima  de  uma  ilusão: julga que está observando a realidade diretamente, como se a “tela” fosse uma “janela”. Na verdade, há diferenças profundas na experiência de assistir ao esporte como testemunha corporalmente presente nos estádios e ginásios e na sala de estar, pela TV.  

4)  Superficialidade.  As  próprias  características  das  mídias  impõem  a  superficialidade.  Como  lembra  Santaella (1996) a cultura das mídias é a cultura do efêmero, do breve, do descontínuo; é a cultura "dos eventos em oposição aos processos"  (p.36).  Mas  como    a  cultura  das  mídias caracteriza-se  também  pela  interação  entre  elas,  a  mesma notícia passa de uma mídia a outra, permitindo análises mais aprofundadas nas revistas semanais e no jornalismo investigativo   da   TV   por   assinatura,   por   exemplo.   Idealmente,   as   mídias   seriam   intercomplementares (Santaella1996), e a notícia da TV levaria o espectador ao jornal, daí à revista, etc. Mas quem no Brasil lê jornais, revistas ou pode pagar por uma TV a cabo? Daí o receio dos efeitos perniciosos que a televisão pode trazer a um país como o Brasil, com baixo nível educacional, com uma grande massa de analfabetos e semi-analfabetos, e que estão se expondo diretamente à cultura audiovisual das mídias, sem a mediação anterior da cultura letrada.

5) Prevalência dos interesses econômicos. A lógica das mídias, em última instância, atende a interesses econômicos, entronizando na televisão os índices de audiência, e criando assim um círculo vicioso: os produtores pressupõem o que o público (que é visto como homogêneo) quer, e só lhe oferecem isso, portanto, não podem saber se o público deseja outra coisa. Novidades aparecem, mas sempre sobre os mesmos temas e sob as mesmas formas. Como não há opções, o público reafirma a audiência das “fórmulas” tradicionais. Daí a mesmice da cobertura futebolística, por exemplo.  A  pobreza  de  conteúdo  na  TV  brasileira  é  cada  vez  mais  evidente,  não  obstante  o  artigo  221  da Constituição  brasileira  determinar  que  a  produção  e  a  programação  das  emissoras  de  rádio  e  televisão  deverão conceder prioridade  a  finalidades  educativas,  artísticas,  culturais  e  informativas.  De uma  perspectiva  mais  ampla, Walnice Nogueira Galvão, claramente inspirada no conceito de “indústria cultural” da Escola de Frankfurt, refere-se ao  “fundamentalismo  do  mercado”,  que  faz  imperar  uma  lógica  perversa,  a  qual  privilegia  o  investimento  emnovidades que, dada sua facilidade e baixo custo, leva à crescente degradação do gosto dos cidadãos; e assim “os produtores agiram, enquanto se justificavam dizendo dar ao povo o que ele queria. E não o contrário: os produtores é que se empenharam numa campanha de deseducação, infantilizando o público (caso do cinema), imbecilizando-o (caso da televisão)...” (Galvão, 2002, p. 5). Do ponto de vista político, a imposição de limites a esse processo teria que ser ditada pela própria sociedade civil, nos termos previstos pelo artigo 224 da Constituição brasileira de 1988, que prevê o funcionamento de um Conselho de Comunicação Social, até hoje não concretizado. 

Todavia, num exercício de imaginação (e esperança...) o que deveríamos ler, ouvir e olhar se houvesse um outro lado, o do esporte na mídia? :
-     a cobertura de várias modalidades esportivas, inclusive as que ainda são predominantemente amadoras; -     a  presença  de  informações/conteúdos  científicos  (biológicos,  socioculturais,  históricos)  sobre  a  cultura esportiva;
-     análises  aprofundadas  e  críticas  a  respeito  dos  fatos,  acontecimentos  e  tendências  nas  várias  dimensões  que envolvem  o  esporte  atualmente  (econômica,  administrativa,  política,  treinamento,  tática  etc),  considerando  o passado, o presente e o futuro;
-     as vozes dos atletas (profissionais e amadores) enquanto seres humanos integrais, e não apenas como máquinas e rendimento, nos falando sobre a experiência global de praticar esporte;
-     uma  maior  interação  com  os  receptores,  considerados  indivíduos  singulares,  instaurando  um  verdadeiro processo de comunicação.
E tudo isso adaptado às características de cada mídia, preservando a forma espetacular que atrai o leitor, o ouvinte, o telespectador. Quem se arrisca a tentar?


Fonte: Motrivivência
Texto sugerido por Celso Moletta Júnior

Um comentário:

  1. Mauro,no seu ponto de vista é importante o professor trabalhar com a mídia,e você até cita formas de trabalharmos com as mesmas.Eu queria perguntar ao senhor,qual a influencia da mídia na atuação do professor de educação física escolar.aguardo resposta,para finalização de meu tcc.Obrigado


    Lucas Maciel.

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