quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Megaeventos esportivos e o legado empreendedorista neoliberal


Orlando Alves dos Santos Junior afirma que apesar dos impactos negativos, grandes projetos urbanos em curso ganham legitimidade em virtude da Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil
19/09/2013

Camilla Hoshino
de Curitiba (PR),
especial para o Brasil de Fato

Em entrevista ao Brasil de Fato, o sociólogo e pesquisador da Rede Observatório das Metrópoles, Orlando Alves dos Santos Junior, fala sobre o projeto Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016.
Os resultados parciais da pesquisa, que visa acompanhar as alterações territoriais oriundas da implementação desses megaeventos na malha urbana dos municípios, apontam para uma “nova rodada de mercantilização” das cidades. Segundo o sociólogo, esse processo é marcado por uma “relação promíscua entre o poder público e o poder privado”, sendo acompanhado de uma “elitização das metrópoles brasileiras associada à difusão de uma certa governança empreendedorista de caráter neoliberal”.
Orlando Junior afirma que a realização dos grandes projetos urbanos nas cidades-sede voltados para a revitalização de áreas de valorização imobiliária, além de fazer o Estado assumir uma lógica empresarial como principal financiador, também acarreta em legados sociais negativos para parte da população. “Verifica-se que esse projeto vem acompanhado em grande parte dos casos de um processo de relocalização dos pobres e, portanto, processos de remoção e violação do direito à moradia”, diz.

Brasil de Fato – Como surgiu e qual o objetivo do projeto Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016, do Observatório das Metrópoles?

   
   O sociólogo Orlando Alves dos Santos Junior - Foto: IHU
Orlando Alves dos Santos Junior – Bom, o projeto decorre do fato de o Brasil ter sido escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014 e o Rio de Janeiro ter sido escolhido para sediar as Olimpíadas de 2016. Ou seja, surge pelo fato de nós termos dois megaeventos acontecendo no Brasil e de nós percebermos que os megaeventos têm sido um fenômeno de grandes transformações urbanas em outros lugares do mundo. Nós entendemos que era necessário avaliar os impactos desses megaeventos sobre as metrópoles brasileiras, tendo em vista que megaeventos, em geral, estão associados a grandes intervenções urbanas. Ou seja, sabendo que esses projetos iam acontecer no Brasil, já era possível prever que estariam associados à transformação das metrópoles brasileiras.

Até o momento, qual tem sido o balanço indicado pelas pesquisas em relação à recepção da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil?
Uma coisa fica evidente. O insight inicial que orientou o projeto está evidenciado: os megaeventos estão associados a grandes projetos urbanos. Não é possível separar Copa do Mundo e Olimpíadas desses projetos de cidade que estão sendo construídos e sendo objeto de intervenção. E isso se traduz no próprio orçamento que está sendo disponibilizado e nos próprios investimentos feitos nas cidades. A análise da nossa pesquisa até o momento confirma a hipótese inicial de que associado aos megaeventos estaria em curso o que a gente chama de “nova rodada de mercantilização”, uma elitização das metrópoles brasileiras associada à difusão de uma certa governança empreendedorista de caráter neoliberal e do fortalecimento de certas coalizões urbanas de poder que sustentam esse mesmo projeto. Claro que isto é uma análise sob o ponto de vista nacional, mas é possível identificar diferenças significativas entre as cidades-sede.

E quais seriam os impactos sociais decorrentes dessa elitização das metrópoles brasileiras?
Em geral esse projeto de mercantilização, de elitização, encontra uma série de barreiras para ser realizado. Essas barreiras são de ordem social, econômica e política. Enfim, sob o ponto de vista social, em geral, as áreas de grande interesse econômico, que são as áreas de valorização imobiliária, áreas de interesse dessas coalizões de poder, estão ocupadas por classes populares. Então, verifica-se que esse projeto vem acompanhado em grande parte dos casos de um processo de relocalização dos pobres e, portanto, processos de remoção e violação do direito à moradia. Claro que, mais uma vez, podemos encontrar diferenças entre as cidades-sede, mas sob o ponto de vista nacional as remoções têm acontecido em quase todas as cidades que receberão os jogos da Copa.

Existem diferenças no processo de implementação da Copa no Brasil em relação a outras experiências internacionais anteriores?
Muitas. Na verdade ainda estamos no desenvolvimento da pesquisa, ainda é difícil chegar a conclusões muito precisas. Mas estamos trabalhando com a conceito de “neoliberalismo realmente existente”, de um autor chamado Neil O’Brien. É possível perceber que os princípios, as diretrizes, as características do neoliberalismo no Brasil não são as mesmas daquelas do neoliberalismo implantado nos demais países. Portanto, também as mudanças pelas quais o Brasil vem vivendo em decorrência dos megaeventos não seriam as mesmas. Os efeitos não são os mesmos. Apesar de nós podermos, em linhas gerais, verificar que os megaeventos esportivos, na maioria dos países em que ocorreu, implicaram em algum padrão de exceção na intervenção do Estado, na revitalização das áreas degradadas, portanto, na elitização de certas áreas, em processo de expulsão de classes populares dessas áreas, na construção de elefantes brancos. Isso também se verifica no Brasil. Existe uma série de características verificadas também no Brasil, mas também muitas especificidades dadas pelo fato de a configuração de poder não ser mesma. Enfim, você tem uma conjunção de fatos econômicos, políticos e sociais específicos no caso brasileiro que torna o caso brasileiro também um caso especial. E mesmo nas cidades-sede, o peso da Copa do Mundo não é o mesmo e está relacionado a outros projetos urbanos específicos de cada cidade.

Como os interesses públicos e privados se relacionam no desenvolvimento dos projetos para as cidades-sede?
Esse projeto empreendedorista é marcado por uma relação promíscua entre o poder público e o poder privado, vez que o poder público assume na sua intervenção a lógica dos interesses privados. E são estabelecidas diversas formas de subordinação, entre elas, as parcerias público-privadas. Mas não é a única. A Lei Geral da Copa, por exemplo, não é uma parceria público-privada, mas também é uma forma de subordinação. O padrão de exceção da intervenção do Estado, a subordinação da ação do poder público à lógica privada, a alteração da legislação para atender aos interesses privados, quer dizer, uma série de medidas de exceção mostra essa relação promiscua entre interesses públicos e privados. O Estado, ao assumir como sua responsabilidade o desenvolvimento econômico, a competição internacional, a competição do mercado, assume também a lógica empresarial, o Estado passa a atuar numa lógica similar a própria empresa capitalista.

A partir dos resultados parciais obtidos na pesquisa, como Curitiba se apresenta no contexto das 12 cidades-sede?
Tudo ainda está muito prematura para fazer uma conclusão final, mas eu diria que há indícios de que o empreendedorismo urbano e a imagem de cidade que estavam sendo construídos em Curitiba são anteriores ao projeto da Copa. Ou seja, o projeto da Copa do Mundo não significaria uma infl exão no projeto de cidade que já estava em construção anteriormente. O evento viria, portanto, reforçar e dar legitimidade a esse projeto. Obviamente, a intensidade do projeto é aumentada. Como é o caso de São Paulo também. Lá, o projeto da Copa é muito pequeno em relação aos projetos que já estão em curso. É diferente da expressão do “Projeto Olímpico ou Cidade Olímpica” para o Rio de Janeiro, que receberá dois megaeventos. É diferente de Recife, em que se tem uma nova cidade sendo construída: a “Cidade da Copa”. Quer dizer, há distintas configurações se você olhar cada uma das cidades.

Em diversas cidades, a rede de Observatórios tem apoiado as ações dos Comitês Populares da Copa. Como você vê essa relação das universidades com os movimentos sociais?
Eu acho que o papel da universidade é produzir conhecimento para a sociedade, então eu vejo como estratégica essa relação. A universidade deve se contaminar com temas de pesquisa que estão vinculados a realidade, vinculados aos agentes que produzem a cidade, na própria formulação das questões teóricas. A universidade precisa aprender com esses atores, da mesma maneira que ela contribui com eles. Ou seja, o conhecimento que é resultado de pesquisas e da refl exão acadêmica deve estar em diálogo com outras formas de conhecimento que são tão validas quanto. O processo de aprendizado envolve pesquisa, ensino e intervenção social, portanto, eu vejo essa relação com os movimentos sociais de uma forma dialética. O Observatório aprende muito e espero que também contribua muito com todas essas articulações.
Foto: Téo Travagin

Entrevista com o sociólogo Orlando Alves do Santos Junior,  professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da UFRJ e pesquisador do Observatório das Metrópoles. Estudioso com grande experiência na análise das cidades e metrópoles, Santos Junior fala de uma "nova rodada de mercantilização" das cidades, com seus realocamentos das populações pobres, elitização de novos espaços urbanos, reconfiguração de relação público/privado e estabelecimento de uma governança de te tipo neoliberal, voltada ao empreendedorismo seletivo, que contamina o poder público com a lógica privada. O conteúdo da entrevista, aponta para os dados parciais do projeto "Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016", levado a cabo pelo Observatório das Metrópoles, e que tem servido como subsídio para muitas ações dos Comitês Populares da Copa. 



Sugestão e comentário de Jhonatan Uewerton Souza